sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dromedário


O dia amanhece
e eu também.
O povo vai pro trabalho
depois do sereno.
Tudo parece pleno
e eu tenho um plano.
Mas não posso contar.
Talvez um dia.
A poesia
vai dominar o planeta.
Talvez depois do sono.
Cão sem dono não morde.
Esse silêncio me lembra infância.
A conta da poupança vazia.
Minha janela sorri.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A história da vida


Perto do Natal
meu sono aumenta.
Ninguém nasce neste poema
antes de mim.

Dezembro vai chegando ao fim.
De certo tudo meio assim.
Sei lá.
Há muito que o muito nos sufoca.

O ano vai acabar.
O mundo já acabou faz tempo.

O que dizer do meu concretismo?
Um ismo a esmo...
O mesmo antes do abismo.
Idealismo sem idéias.

Não gosto do Natal.
O povo se reúne e não sabe porquê.
Apareceu na tevê então deve ser bom.
O povo não conhece Drummond
e acha que entende das tardes.

Num dia quente como este...
sinceramente eu torço 
para que ninguém se mate no trânsito.

Meu dorso 
pesando uma tonelada
pede paz.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Recorrente


Ando sonhando muito com meu irmão
chorando.
Falando um idioma esquisito.

Não consigo entender.
Não consigo esquecer.

A gente senta num banco velho
e pede um café pra nossa mãe.
Isso dura a vida toda.

Sonho doido.
Sou tão pouco.

A praça da calmaria foi abandonada.

Levo duas horas pra acordar.
O ar leva meio minuto pra sufocar alguém.

Meu irmão com cara de gente sofrida.
O cara que era o cara
não cura mais a ferida aberta.

Acordo mas o sonho não passa;
o sonho da praça.

Eu sei que meu irmão sofre
quando faz silêncio.
Sujeito difícil.
Edifício erguido na fraternidade imortal.

Um mar de lágrimas
que não seca com o tempo.
Embarcação com um medo profundo
de afundar.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Litígio vespertino


No meu cansaço perdido
descanso.
Um bom descanso querido.
Encontro sagrado.
Alcanço outro cansaço sofrido.
Mundo parado.
Quem caminha sou eu
seja lá com que perna for.
Sabe-se lá com que dor se cresce.
Amadurece tudo que é verde.
Ver de perto tudo que é longe.
A constante nem sempre é miserável.
Fico aqui lembrando do quintal dos meus avós.
Mas hoje tudo é diferente.
Pela frente tanta coisa que parece gente.
Tanta gente que parece coisa.
Outra coisa é perceber que mudamos.
Ou amamos o que temos
ou largamos o que sonhamos.
Somos o que temos que ser agora.
Isso é tão libertador...


Ígor Andrade

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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Eucarionte


Hoje amanheci pela tarde
bem tarde.
Todo torto.
Algo que não consigo explicar.

Uma quarta-feira tipo segunda.
Tediosa feito papo de crente.
Chega a ser indecente
essa preguiça de não saber aceitar
agruras.

A vida pode ser dura.
Eu posso ser uma pedra.
E pronto.
Não estou pronto.

Uma batida de carro na esquina
e eu acordo sem querer.

O que estou fazendo da vida?
O que estou com a vida?

Ainda mal sei quem sou.
Banco velho de praça abandonada.
Poeira nos olhos das calçadas.
Nada me serve se a chuva cair.
Dormir para não sonhar.

Acho que estou perdendo a vontade de escrever.
A vontade de esquecer
da poesia.

Ponho no bolso mais um dia
e saio para caminhar.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ocultação


A lua imensa
atravessa Júpiter
com uma certeza:
o espaço não tem ouvidos.

E meu silêncio esqueceu de mim.

Estou assim
meio cósmico.
E nunca falei tanto
sozinho.

Hoje até o cão mais vagabundo
encontrou uma sombra
na esquina.

É poético envelhecer
antes do poema?

Sinto um frio na espinha.
Uma folha em branco
tenta me ajudar.

Minha maior natureza sempre foi observar.
Sempre entendi a natureza de absorver.

(Segrego um segredo grego
de um gago gordo.
Só para entender o quanto
sou alienígena de mim.)

Sorver um café gelado.
Servir uma escrita quente.

Meu pulso mente
minha taquicardia.

A lua cheia.
A rua vazia.

Tudo fazia
uma beleza
tão nua...


Ígor Andrade



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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Relatividades


Gosto de caminhar pela tarde.
Acredito que sinto que sou a metade
de um dia.

Saio por aí descobrindo pleonasmos nas calçadas.

Calor compartilhado
por um exército de vencidos.

O mundo não acaba nunca.
A nuca e o suor
na parada de ônibus.
Poesia agoniada.

Sei de pouco da vida.
Sou o pouco da vida.
E nunca pisei na lua.

Só de maneira imprópria
se fala do futuro.
O muro.
É duro.
O murro.

Que maravilha é não pensar em religiões.
O budismo do meu pai
que não aprendeu a meditar.

O sem-teto da esquina
tem no tato a sua fome.
Barriga sem nome
que ronca na curvatura do espaço-tempo.

A sede do Agreste se traduz num pensamento:
O solo é de quem sabe imaginar presentes.

Sigo por aí
até chegar
num lugar qualquer.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Pássaros cantando no escuro


Amanhece quando
o tempo não passa.
E tudo parece o de sempre.

Muito do que muda na gente
não muda nada no outro.

Sou um bocejo teimoso
e uma tristeza qualquer.

Sinto fome
e preguiça.
E sinto preguiça
além de tudo.

Ignoro a cama
porque tenho medo de sonhar.
Ignoro a cozinha.
porque acabou o presunto.

Amanhece agora
que ainda sou noite.

Não esqueço de nada.
Nem da vida.


Ígor Andrade

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sábado, 17 de novembro de 2012

O estudo das proteínas


Acordei um poema na tarde de sábado
só pra entender direito que não sei acordar.
Levantei, peguei o café sem manhã e fui ler.
Percebi que sou estranho e estúpido.
Deveria sorrir para janela e brincar com minha cachorra.
Apenas consigo imaginar formas de voltar pra cama.
Ontem esqueci de limpar meu quarto.
Minha coragem atingiu trinta e um anos.
Aliás ontem não fui gente.
Eu e minha enxaqueca temos um caso de amor.
Moro no calor deste dia
e desaprendi a escrever poemas.
Vou ligar para minha mulher agora
e exigir sua presença nesta solidão.
Amar é isso: procurar o outro
antes do outro existir.


Ígor Andrade

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Tinta preta


A noite veio como sempre.
E sempre na veia a noite.

À noite tudo vem.
É simples assim.

Esperamos da vida
uma outra
vida
e nunca percebemos
que nós somos
um outro
morto
toda hora.

Agora
que a noite veio
eu vou
sabe-se lá para aonde.

Somos onde
estamos.
E quem sabe
nunca seremos o que sabemos.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Aquilo que subsiste


O que é tudo?

Talvez seja alguém mudo
de vez em quando.

Silêncio...

Durmo no mesmo
sem sair do mesmo.
Acordo no íntimo
de não sonhar que preste.

Agreste nos olhos.
O teto é falso.

Pouca sombra.
Muita sobra.
Me assombro com o peso das paredes.

Meio-dia.
Uma azia.
Nada fazia
sentido.

E a tarde que vem?
Não entendo.
E o entendimento qualquer?
Não vivo.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Agostiniando a tarde


Inspirar dó
é expirar dor.
Respirar só.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Fatos alheios


Todo dia há um nó e um desenlace. Nasce quem tem de nascer: laço. Morre tudo que estar por vir: cansaço. Amasso a folha de papel e tento outra vez o pensamento. Lento! Todo dia há um nó e um desenlace. O nó consiste em acordar. Abrir os olhos para dentro. E só aí perceber que viver é esse estranho ser do lado de fora... de algo. (Outra hora falo mais sobre isso, que também não entendo.) O desenlace é difícil - é tentar dormir... mais uma vez. Todo dia há um nó e um desenlace. Passe meia hora repetindo esta frase para si mesmo e veja que "o si mesmo" não pára nesta frase. Todo dia há um nó e um desenlace. No meio disso tudo, o epílogo de qualquer nada, que também acaba.


Ígor Andrade

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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Toca o telefone do meu vizinho


Toca o telefone do meu vizinho.
Ninguém atende.
Ninguém entende
o que tem de atender.

O que tem de ser entendido
às vezes é esquecido
por alguma surdez.

Um pedido:
silêncio.
Parece muito.

Parece pouco:
o que peço.

Só queria ler meu livro na varanda
sem o toque de um telefone.
O nome disso é velhice.
O resto é só a tarde.

A mesma tarde que passa...

Onde estão todos, que não atendem?
Onde estou eu, que não entendo?

O toque do telefone é esperança.

Alguém quer ser atendido.
Ser entendido é outra história.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Terapia do cão


Escrevo para não
enlouquecer
o outro.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Libelo


O sonho do sábio.
O sonho do louco.
Quem sonha pouco?


Ígor Andrade

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terça-feira, 16 de outubro de 2012

E hoje ainda tinha dentista


Numa xícara de café
encontra-se pesadelos.
Portas que se fecham
no escuro do dia.

Desenho um plano empresarial
pra enganar meu filho
que ainda não nasceu.
O que cresceu na madrugada
sumiu.

O infinito da janela
é um quadro que não sei pintar.
A suadeira nas mãos
que não controlo.

Ao nada invejo a insensibilidade
dos bancos das praças.
Muita história e muito frio.

Meu mundo é um esboço apagado.
Peso no dorso de um homem afogado
na superfície das coisas.

Confesso que tenho medo
do sono da tarde.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Primeira lei da termodinâmica


Uns aprendem a ouvir. Outros aprendem a escrever. O ouvido de um é o olho do outro. Há de se prestar atenção no que realmente faz sentido. Tenho sentido falta do que é real. Muitos lunáticos fanáticos apopléticos. A estética venceu a ética. Poética pobre sem pôr do sol. Acordei proparoxítona e esqueci do arrebol. Bem ou mal, sentir é descoberta abismal. Janela aberta pro quintal, da alma. A falácia do homem livre pede calma, mas eu nem ligo. O inimigo da escrita é a surdez. Outra vez, descubro a cegueira das mãos. Quem somos enquanto não temos? O que vemos quando não sentimos? Saber ouvir antes de responder, saber escrever antes de sentir; saber ser divino. A plenitude se disfarça num sorriso de canto. Outro encontro. E fim de conversa. Que pressa é essa que nós vivemos? Ainda sou do tempo em que o tempo não se preocupava com o tempo. Muito vento e poucos tantos. Esperanto no silêncio da noite. Somos servos da ignorância. Cervos com uma profunda ânsia de contemplar os leões. Sermões sem ser mães. O diabo entende do solo melhor que o pastor. O pavor de quem escreve está no colo da dislexia. Vou morrer acreditando que harmonia é a teimosia de um aleijado; quando falta algo a vida cria significado.


Ígor Andrade

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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Café gelado


O sentido da hora chora.
Nasce agora outro alguém
em algum lugar.

Tudo fora
e eu no meio
a sussurrar pegadas.

Foi-se embora o dia.
Ninguém mais saberia acordar.

Fim - mas começo.
Eu começo
a acreditar em outras coisas.
Mais tarde estará mais fresco.

Aurora distante.
(O que quero eu exatamente dizer?)
Uma gata no cio desespera os telhados.
Hoje ninguém vai dormir.

O homem é mesmo um bicho muito doente.
Se muito fala muito sente.
O presente dos deuses talvez seja silenciar matutices.

Uma dor de barriga sagrada
na madrugada.
O médico do tempo é o interior.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ubermensch


Para o grande amigo, irmão distante e herói próximo, Luiz Guilherme Libório.


Às vezes penso
que o mundo exterior não tem interior.
Às vezes tenso.
Às vezes canso.
E às vezes alcanço
os meus pensamentos
que se afogam num
lago seco.
Cego logo
um olho alheio.

Poucos laços.
Lasso...
Lá sou o cansaço de gerações.

O abismo e o escapismo pelo prisma primitivo do suicida.
Peripatetismo no empirismo sórdido do capeta.

Tudo oco, menos o louco.
Pouco a pouco, o muito.

O Antigo Egito fica logo ali
embaixo da saia de cada mulher.

Eram os deuses, o analfabetismo da raça?

Caça quem tem coração.
Calça curta e um escorregão.
O homo sapiens não sabe de nada.

A vida passa
rápido demais.
Avenida ultrapassa
o cérebro do rapaz.

Não há paz
neste mundo.
Mudo
o canal da tv à cabo.
Vai passar a Paixão de Cristo.
Eu desisto.
Tenho visto
muito Jesus
e pouca cruz.
A luz
do novo tempo
é escurecer as mentes dos corajosos.

Os jocosos verticalizaram os seios.

Os meios justificam
os modos.
Os medos
ridicularizaram Darwin.

Meu poema é um bêbado mudo
que tropeça na própria sombra.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

SketchBook


A obsessão por originalidade e normalidade há muito deixou de ser neurose - virou morte. O povo se mata o tempo todo porque não se encontra. A anta agora bebe água filtrada. Antes de mais nada, julgo uma tarefa impossível ter uma varanda aconchegante. A rouquidão da rua emburrece a casa. Eu me esforço pra morar no passo inicial das coisas, e isso nem é a fórmula certa de nada. As causas da obesidade infantil é culpa da espada da mídia. Média sem medida. Mordida do macaco raivoso. E eu sinto que às vezes ainda me ilumino. Tempos outros. Da Vinci não morreu. Em algum lugar existe um lugar silencioso: dentro de nós. Mas hoje não. Urbano, demasiado urbano. Não me dou importância; vou envelhecer na desinteligência. Só acho que as pessoas precisam fazer o que escrevem. Ou não. Criar é tão comum. Lembro do tempo em que eu pedia de natal folhas em branco, mas ganhei bonecos de guerra. Tudo é especial quando se tem para quem contar. Contei as xícaras de café e os cães de rua nesta tarde. Já esqueci a quantidade. Tenho mania de rascunhos, e nunca entendi a obrigação da redação no vestibular. Não sei muito da vida, mas eu entendo que temos momentos - aqui e ali - raros com pessoas raras. A cara da vida é esperar pelo outro. No fim, somos todos geniais quando falamos sozinhos. O resto é gordura.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Onze meses


Para Rafaela Bezerra.


Meu amor maior.
Maior amor
que o mundo.
Outro mundo
é o nosso amor.

Tudo que for
nosso
viverá para sempre.

Sempre...sempre...

Sem que a gente note
quase um ano já passou
e ainda temos uma vida.

Seja feita nossa vida.
Vida minha tão tua.
Noite nua
na crueza da saudade.

Hoje escrevo a cor dos teus olhos.
Hoje escrevo a eternidade.
E ponto.
E pronto.

Meu porto
seguro.
Minha porta
aberta.
Minha melhor parte
exata e certa.

Nosso ninho.
Nosso vinho.

Quem diria?
Calma e euforia.
Eu faria
mais por você.

Poder te amar
é entender
que independente do caminho
sigo com tuas pernas.

Nossos passos silenciam multidões.


Ígor Andrade

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Um poema antes da manhã


Um poema antes da manhã.
Enquanto o povo ainda dorme.

Antes do dia ainda minha noite.

O ar fresquinho na janela escura.
(Minha vida dura esses poucos minutos.)
Preciso decidir o que sonhar.

Eu ia meditar
mas inventei de ler Dostoiévski.
Eu queria ser um cara inteligente...

Sinto dor na coluna
e saudade da minha mulher.
O porta-retratos da minha mesa conversa comigo.
Não me sinto sozinho.

Um poema antes da manhã
é tudo que eu precisava.
Vivo para lembrar do amanhã.


Ígor Andrade

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

O trevo antes da rua


Esta vida é breve
e não é leve.

Lavei um sonho na calçada.

Inventaram o relógio
e a poesia
e eu me inventei na saudade.

Quanto mais penso
mais denso.
Mais canso.
Mas descanso 
só na morte.

O corte da tarde
é forte.
Tenho um norte para cada sentido.

Hoje sinto fome como quem esquece de viver.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os pés nus


Um mendigo na rua me diz para aceitar Jesus. A tarde silencia. Sentir fome é oração. Preciso aprender a calar antes do não. Não sei nada sobre os impérios corrompidos, e muito menos sobre os homens esquecidos pelas mulheres. Meus olhos estão cheios de visões noturnas. E este sujeito cheio desse jejum forçado. Tenho usado pouco do que aprendi quando criança. Esperança sentada na esquina, depois do tropeço de ontem. É, o fígado do povo cansou. E a vida sonolenta se conforma com qualquer forma que nos apresentam. O mendigo ainda me diz para aceitar Jesus. Cada um com sua cruz e neste pobre ser todos os odores do mundo. Um homem tão menos imundo faz poesia. O remorso que me pesa o dorso, num esforço quase dócil. Indômito caminhar em ruas de carros importados, que não se importam com a faixa de pedestres. A etérea altura das baixezas humanas. O herói covarde e a criança corajosa. Olhos familiares tão vastos quanto a tarde. A fluidez daquilo que jamais termina. A recordação mais rica do tempo cru. O mendigo me pediu para aceitar Jesus. Sordidez de espantalho moderno. Eu não entendo o vício das finitudes e todos os horrores da fecundidade.


Ígor Andrade

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sábado, 25 de agosto de 2012

Cevando


Sempre que bebo
sinto ainda
mais sede
e acho que sei escrever.

Converso com a janela
e sinto muito.
Olho pra minha cama gigante
e sonho pouco.

A rua sou eu.
Mudo.

Louco é quem não nasceu hoje.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Poema viagem


O trem de hoje passa calado
e vazio.
Carrego comigo o frio
dos meus avós que vieram do interior do Ceará.
("O que será que será"
que eu quis dizer?)
Escrevo brisas sinceras.
As eras não alteram o romantismo.
Este poema há de ser uma cruz
ou um alívio
ou um dilúvio.
Saudade da infância que me sofre.
O tempo: uma ilusão.
O cosmos devora qualquer dúvida, qualquer dívida e qualquer dádiva.
Fui comer sem fome e cuspi aflição.
Afeição
e isolamento.
Lamento não ter mais idade.
Ninguém me entende
nem eu.
Nasci agora.
Não me acostumo com gravatas
e meu repouso maior talvez seja o cansaço físico.
Tenho sido a vergonha da família.
Não estudei direito, medicina ou arquitetura.
Literatura é útero.
O pensamento é estômago.
Estou magro.
E quero beber cerveja.
Que assim seja um bom desabafo.


Ígor Andrade

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sábado, 18 de agosto de 2012

Bordel Bordado


A Lígia Cargnelutti me convidou e eu aceitei. Hoje escrevi aqui.


Ígor Andrade

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Continuamente


Note:
A noite
nada
em tudo.


Ígor Andrade

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sábado, 11 de agosto de 2012

Corredor


Entre os rostos de agosto
conheci um fantasma.
Asma de poeta
é camisa de força.
Ouça a madrugada
e seu assalto.
Asfalto divino intocável.
Sou o sujeito mais sozinho do mundo.
Ou devo ser burro demais
para entender a vida.
A vida não se entende.
A vida não se estende
por qualquer saudade.
Meu ventilador parou.
Meu juízo quebrou a bengala do aleijado.
Um soco de Muhammad Ali, por favor.
Preciso dormir
só por hoje.
O agora se embriagou.


Ígor Andrade

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Arremesso


O que há de mais indigesto?
O gesto
de quem não se conhece.
A parede esquece
de mim.
O fim é o começo
depois de doze cervejas.
Berço de palavras...
Desapareceu a testa.
A festa
dentro do quarto
escuro
e sozinho.
Ninho de asas!
Duas mãos.
Dois olhos.
Sem pernas.
Cem pernas
para alcançar o inalcançável.
Hoje não quero visita.
Acho que nunca quis.
Eu fiz
de mim
uma fortaleza sonolenta
que esquece do fígado
mas lembra do bolso vazio.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma hora


Lá fora o tempo. 
Aqui dentro o tempo.
Provocante, o tempo
descobre o ignorante
mas ajuda o irracional.
O tempo faz mal.
O tempo faz bem.
O tempo é amigo de quem?
No meio do tempo
havia outro tempo
sem tempo pra temporal.
Lá fora e aqui dentro
é tempo de ser animal
e ter taquicardia.


Ígor Andrade

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Pilão


Um começar de sombras.
O eco da minha mesa.
O café pra enganar a fome.
Não existe ansiedade de amanhãs.
Converso com uma folha em branco
assim como converso com minha pequena cadela.
(Era uma deusa, ela?)
Rafaela... dorme e sonha.
Feliz de quem sabe amar
o que escreve.
Odiar um poema é entender
qualquer coisa.
Não há barulho de carros na rua.
A vida é crua.
Tudo é mortal demais:
madrugada.


Ígor Andrade

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sábado, 4 de agosto de 2012

Bohemia



Não é o que é.
Nem o que eu vejo.
Madrugada
este lampejo
além de qualquer ser.


Silêncio em que se perde
o que não se ganha.
Aranha que faz teia
na rua vazia.


Eu fazia antes
o que faço hoje
mas não sabia:
penso como ninguém.


Além daqui
consciência que não se apaga
e não se afaga
além de mim.


Que a boemia me perdoe
porque eu preciso dela.


Aquarela quer amanhecer
antes dos olhos.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O cão em mim


Os primeiros passos de um bocejo atrevido vêm com o silêncio branco de um quarto escuro. Antes de dormir, duas cervejas e uma lembrança: meu cão morreu. Parece que estou parado numa dor que dói mais quando todo mundo dorme. Estou sozinho olhando fotos de quando meu pequeno companheiro era filhote. Preciso mudar de juízo. Crescer ainda que sinta o decréscimo. O último osso foi ótimo, enquanto o átimo é boca seca. Átomo que se vai... Mudo de posição para sonhar maior. Quando sonho menor, tenho pesadelos; acordo assombrado e com fome. Levanto pra comer algo doce e me arrependo depois. Meu cão tinha doze anos e eu tenho trinta e um. Atravesso a madrugada como se tudo fosse olho. Me enxergo nas quietudes. Muito embora a escrita me acelere. Quero correr, quero pular, quero morrer. E quero morar na praia. A cidade me mata. Minha família precisa de mim, vivo. Vivo, em alguma vida, alheia. Sinto falta do meu animal. Coisa feia é esconder saudade. Ele era mais do que Jesus, pra mim. E o maior pecado é a distância. A morte separa pra sempre. Tudo vira pó(esia). A cruz de hoje é o prato cru do empanturrado. Fastio e mãos suadas. Transpira minha caneta velha. Sou um velho antes da velhice. (Quem me ensinou a escrever?) Cuido do verso para ele me educar. (Cadê Deus?) Em algum momento desta noite devo me sentir um sujeito melhor. Evolucionista mesmo é o sono.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Parafraseando Erich von Däniken



Indefinidos vultos de gigantes abobalhados.
Sussurros circulando pelo ar frio.
Irreconhecíveis macróbios 
comodamente sentados no chão
carregando fardos onerosos
apoiados em bustos vazios.
Sombra de coqueiros 
que assombram qualquer fruto.
Vozes que nada dizem.
Tudo estruturado demais.
Tudo estranho de menos.
Nada como antes.
Imaginação de imaginar finitudes.
Tempo sem noção de tempo.
Passo que alcança o espaço.
Inteligência sideral etérea.
Semelhantes e diferentes
deuses de uma tarde
que não passa.




Ígor Andrade

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terça-feira, 17 de julho de 2012

Quecé e Quecê



Silencioso, o sujeito observa. Um gato branco atravessa a rua escura. Tudo muda. E pode amanhecer logo. Antes que tudo se perca numa janela empoeirada, o olho encontra a folha, a mão encontra a espada. A arte salva a madrugada. E mais nada: guerra. Azul é a cor da palavra: terra. Algo pequeno lavra a teoria minimalista. O corpo nu é grande. Roupa suja se lava em casa, alheia. Coisa feia é não entender o que se veste. Visto o verso, e qualquer idéia que me agrade eu transformo num avesso infinito. Um olhar sem fins. Eu em mim, e no outro. Pouco do que se olha já é muito. Muito do que se pensa cai no esquecimento. Lamento esquizofrênico. Um dia a dia depois de noites. Ninguém dorme até sonhar direito. Causa sem efeito. Pausa no inconsciente. O caminho é longo para quem tem pernas curtas. O gato branco se foi, mas o muro ficou. 




Ígor Andrade

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sábado, 14 de julho de 2012

Rabisco



A busca
ofusca.
Não pisque!




Ígor Andrade

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Everything's gonna be alright



A madrugada plena.
A madrugada é plana
e plano.
A madrugada é o pano
que a mulher costura
em silêncio.
A madrugada pena
e eu bato pino.
Horas em que o fino 
da vida
é pensar numa morte
que não morre.
A madrugada corre
e eu corro.
Não morro.
A madrugada socorre
quem sem socorro
sabe escrever.




Ígor Andrade

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sexta-feira, 13 de julho de 2012

Dezoito andares



Cinco mulheres e eu
no elevador.


Eleva a dor de quem quer silêncio.
E leva a dor para o andar de sempre.


Cinco mulheres.
Cinco sapatos diferentes.
Cinco perfumes diferentes.
Cinco cores de cabelos diferentes.
Tudo muito diferente
dentro do elevador.


Duas conversam sobre filhos.
Talvez a comédia
de ser mãe.


Outras duas conversam sobre a correria do dia a dia.
A rotina reta de suas vidas tortas.
Talvez a tragédia do que é
estar vivo.


A mulher perto do espelho
cala.
Talvez fale consigo mesma.


Onde estou eu
nesta eternidade tão breve?


Só sei que vou pra academia
com a coragem de um moribundo.
Abunda um não sei o quê
neste meu vazio.


Cinco mulheres e eu
no elevador.
Seis vidas que irão acabar.
Seis mortes que serão esquecidas.


Tudo passa tão rápido.
Até o elevador.


Cinco mulheres e eu.
Todos tão diferentes.
Seis seres humanos
tão iguais.




Ígor Andrade

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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Anamnese


Paro num instante da madrugada
e não entendo minha vida.
Assim como também não entendo quem não vive.

Hoje, agora, neste minuto
eu já passei.
É complicado ser.
E somos.

A soma some
se o santo não sente.
Pelo menos a rua vazia e eu.
Ambos sentimos muito.
Tudo.

Nada.
Se eu tivesse existido
antes
mesmo assim
só depois me salvaria.

De quê?
De quem?
De qual assunto estou falando?

Ter que existir é como a solidão; ninguém entende.


Ígor Andrade

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terça-feira, 3 de julho de 2012

Dormi na trincheira



Terça-feira enjoada.
Muita gente na rua
poucos cães em casa.
Eu alongo minha coluna
na esperança de algo ir
pro lugar certo.
Meu estômago vazio.
Minha cama me chama.
O parto perto
antes da morte.
Eu poderia ser mais forte.
Ela poderia ser qualquer coisa.
Ninguém entende de liberdade 
poética.
Apenas três latas de cerveja na geladeira.
Alguns miseráveis vão acabar num manicômio.
Eu não começo uma dieta tão cedo.
Minha mãe tem medo
de voltar a andar.
Antes de qualquer coisa
o ócio.
Vou fazer minha barba.
Hoje não tem revolução.




Ígor Andrade

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O predicado anda



O sujeito segue convicto de não poder encontrar o caminho da vida.
O sujeito segue convicto de não poder encontrar o caminho.
O sujeito segue convicto de não poder encontrar.
O sujeito segue convicto de não poder.
O sujeito segue convicto de não.
O sujeito segue convicto.
O sujeito segue.
O sujeito
parado.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 2 de julho de 2012

2012 e um desabafo



Nesta época, eu prefiro evitar todo tipo de bondade declarada. Mais nada. E antes de tudo, se eu posso evitar, também prefiro dizer que não devo tolerar mais, qualquer forma de fundamentalismo, qualquer ismo a esmo. Por aí tem muito disso e muito mesmo. O diferente vive longe e cedo, de quem é tarde e perto. Desperto o (pre)juízo sem jeito. Dispenso o peito que não se abre. Hoje, e tão somente hoje, é preciso, e eu preciso, compreender o mal. Um animal que sou, tão humano e tão profano. O peso de um piano de chumbo me pesa a alma. A calma não quer conversar. Eu sofro da biologia das coisas, e vamos combinar que as ciências biológicas são poéticas demais. Lógica é verso fantasma. E a bíblia nada me diz. Assim como nada me dizem: o alcorão, o torá, o bhagavad gita, e todos os outros. "Drummond é meu pastor e nada me faltará." Quintana, Einstein, Sagan, Pessoa e tantos outros também. Ninguém entende minhas ironias. Vivemos num tempo que insiste em regressar pro medieval. Não merecemos todo o avanço científico e tecnológico. Nossos relógios se confundem com os ponteiros. Não sabemos ao certo o que somos e porque estamos aqui. O criacionista não se conforma com suas teorias. O evolucionista se deprime. Não acordei maniqueu, nem ateu, mas sou teu, Rafaela. Aquarela que nasceu pronta. A ponta do iceberg que afundou o titanic. O chilique do capitão. Um mendigo que atravessa na contramão, de sua fome. Desconfio de qualquer eloquência, seja ela qual for, sobre o que for. Fora o jocoso que enfrenta o manhoso. Agradável possível profundo de minhas epifanias. A suavidade das manhãs costumavam me encantar. Nunca existiu salvação!




Ígor Andrade

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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Stradivarius



Para o grande amigo Fabio Rocha.


Meu amigo, meu herói, a poesia que separa também constrói. Tendo dito isso, o ácido que corrói o vício ainda é o verso. Inverso destruído por memória, e ninguém entende. Estende o braço pra vida e deixa ela te salvar. O progresso da gente vem no silêncio. Poeta bom é poeta morto, e ainda somos sementes. Se mente, não cresce. Se cresce, não sente. Se sente, não desce... do salto. Tempo alto na madrugada. O homem torto na janela, não está nela, ainda absorto, e mais nada. A alma vazia aquece o vazio. O quente que faz frio, até no deserto, de quem ama. Sou poeta e tenho pouca grana, e quando digo que sou poeta, me olham como um mendigo. Nunca quis esmola. E você? Eu quero é conhecimento, discernimento entre a folha em branco e o caderno fechado. Ponto. Pronto. Pranto. Prato. Escrevo e sinto fome. Qual é o nome de deus? Criatura e criador. A pintura que cria dor. Ninguém sabe de que cor estou falando. A imagem do homem corruptível não nos interessa. Quadrúpede sem pressa. Presa perdida no concreto. Fernando Pessoa foi um cara discreto e morreu do mesmo jeito. Santificado seja o sobrenome de quem vive por muitos, de quem vive como poucos. O santo não sente como eu sinto. Absinto e um brinde a verdadeira amizade. Milagre todo dia acontece. Seres humanos ainda na Idade Média, seja ela qual for. Solstício e equinócio de qualquer escritor. O ócio de quem vive do céu do outro, mesmo quando contempla o solo. O colo da namorada. O sossego da mãe. O papo do pai. O companheirismo do irmão. O violino de Vanessa-Mae. A quinta de Beethoven. As Valquírias de Wagner. E neste exato momento, não sei mais o que dizer.
Escrevo não por ser tão pensante; escrevo por teimosia. Não sei fazer outra coisa que não seja me questionar, neste mundo. Sinceramente achei que você ia querer ler isto.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Duas horas da manhã



Quase um acidente de carro.
Quase um acidente.
Quase.


Um cruzamento e duas pernas tremendo.
Pelo menos falo por mim.
Não sei do outro.
Nunca sei do outro.


Na rua da minha casa
quase um acidente.


Tão perto e tão vivo
e ainda aqui.
Quase um acidente de carro.


Nunca vai importar pra ninguém
se eu estava certo.
O errado também poderia morrer.


O homem cria o carro.
A morte cria o homem.
A vida se cria sozinha.


O que fazer quando se sobrevive?
O que fazem os outros quando nós morremos?


Um sinal verde
um barulho alto de freio 
e trinta e um anos passando
pela calçada.



Quase um acidente de carro.
Quase um acidente.
Quase.


Um copo d'água gelada
e um poema pra amenizar a euforia.
Quase fui, mas minha poesia fica.


Amem ou amém!




Ígor Andrade

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domingo, 17 de junho de 2012

Um domingo como poucos



Uma verdade sobre os domingos: eles não sentem dor.
O domingo é um lobo solitário e silencioso, que ninguém percebe. Entre o lobo e a lebre, toda a fome de uma evolução. O domingo sim, mas a gente não. A gente é caça mesmo quando caça. A gente é o cão! Solidão é pra quem entende o que é soluçar. Coçar o queixo, de frente pro mar. Sussurrar pelas calçadas a saudade que só você conhece. Esquecer de quem te esquece. Caminhar. Até a esquina. Encontrar a dopamina e depois esbravejar. Velejar com a brisa do fim da tarde. O domingo arde e eu urdo. Absurdo é não me entender. Hoje minha mãe notou que fiz a barba, hoje eu quis crescer: observar e absorver o dia. Quem diria que tudo fosse assim? Limpo! O limo é o lema dos pecadores. Pescadores de ilusão derradeira. Amanhã é segunda-feira e eu não estou nem aí. Eu quero hoje algo pra mim, e desejo algo pra você. O domingo nem dói...




Ígor Andrade

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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Pizza e cerveja



Hoje estou longe
e antes
ao mesmo tempo
e não sei 
o que isso significa.
Sei quem fica
quando os outros vão.
Talvez este humilde saber
seja algum conforto.
Perdi meu porto
e afundei meu navio.
Ninguém ouviu
um grito de socorro.
Aquela impressão de que
"se não mato eu morro"
nunca me foi tão nítida.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Confissões 1



Para Santo Agostinho.


Os anos passam como sempre.
Só que tudo diferente.
Caminho com a mente 
no agora
e não minto pra hora
sobre o tempo.


Sobra tempo
e sobra fome.
Falta um nome
pra minha dor.


Vou fazer jejum de poesia
e quem sabe eu durmo um pouco.
O louco dorme pra não acordar 
porque os olhos não abrem.
O entendimento da cegueira
ainda que eterno.
O ser humano é um inverno 
silencioso.
Sonho.


É muito enfadonho 
não entender o céu.
Medo medonho 
de não crescer.
Adoecer 
enquanto criança
e morrer 
como um adulto patético.
Como não pensar nisso tudo?


Como não passar pelo dia de hoje
e não pensar no incansável?


E o que dizer sobre o invencível?


A inércia de um santo.
Canto "do alto de um vale"
que nada vale
pra quem não tem fé.


O ócio de um poeta.
Carrega no peito uma seta
que aponta pro inexistente.


A pobreza e a beleza.
Rico é quem nunca se olhou no espelho.


A sabedoria e a preguiça.
Agora sei que a preguiça é um prego sem cobiça
e sem cabimento.
Cabe em qualquer (pre)juízo um martelo
sem premissa
pra quem tem sofrimento.


Não vejo Deus no universo.
E nem vejo o universo em Deus.


Unir o verso na elegância da retórica
e admirar o desnecessário.
A verdade nunca existiu.
Engano a inteligência
que eu não tenho
com minha miopia de outra vida.


Na curvatura da madrugada...
o que entender sobre a existência?


Minha maior penitência
é entender os que não me entendem.



Os anos passam como sempre.
Só que tudo diferente.




Ígor Andrade

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terça-feira, 12 de junho de 2012

Bocejo infinito



A noite dentro
de uma pessoa toda.
Rua vazia interditada.
Silêncio dos postes.
Calçada amiga.
Estrela dentro da barriga.
Ressaca sem beber.
Temer o tremor.
Entender o amor.
Viver hoje.
Tocar o céu
do impossível.
Inteligível poesia.
Inteligente leitor.
A dor de quem perdeu um filho
e ganhou outro em seguida.
A partida da cor.
Calor nos ossos.
Passo, penso e posso.
Sou grande
e pequeno. 
Terreno plano.
Terra plena.
Muita alma nessa calma.
A cama me chama.
Hora de sonhar.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Segunda-feira



A academia, o banco, a casa lotérica, o supermercado e a clínica de fisioterapia. Todo mundo parece odiar todo mundo. O mundo não é esse todo. Só a moça que passa o rodo no chão que distribui sorrisos. Não que eu goste de todo mundo, porque sinto ódio também, mas tem algo muito errado aqui. Aqui, onde vivemos. Logo ali, nunca pensamos. Muito embora o normal é trocar o presente pelo futuro. O carro bate no muro. No escuro eu penso melhor. Ando muito cansado, estou só o pó. A poeira dos dias quer nos transformar em móveis. Seres humanos, mobília do lado de fora da casa. O pássaro quebra a asa. A vida é rasa. Não, a morte é funda. Não, não se confunda. Vivemos. E não oramos. O medíocre tenta saciar o insaciável. Eu fico triste. Tanta miséria opulenta e tanto coitadismo rico. Querem toda glória do universo, os desgraçados. Quero alguma paz pra mim, eu mesmo. Toda beleza que existe na justiça e sabedoria, se perdendo. Toda alienação desinteressante, se encontrando. Já não se fazem mais esquinas como antigamente. O semáforo quebrou e eu topei na mesma calçada de ontem. Todo mundo parece odiar todo mundo. E eu estou ficando cada vez mais lerdo.




Ígor Andrade


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domingo, 10 de junho de 2012

Paternal no domingo



Ela foi embora.
Eu fiquei.


Eu fui embora.
Ela ficou.


Ela indo
e tudo vindo
na lembrança.


O sorriso é esperança
na alma.


O tempo se confunde
na saudade.


Agora pouco tinha tudo.
Agora mesmo só vontade.


Ela foi embora. 
Eu fiquei
dentro dela.


Nada se perdeu.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Antes que Rafaela chegue



O dia foi cansativo:
O mundo nas costas.


A noite quero descanso:
As costas na cama.


Amanhã é tudo novo:
A costa e o mar.


A praia somos nós:
Ilhas desertas.




Ígor Andrade

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domingo, 3 de junho de 2012

No silêncio da lágrima



Parafraseando o mano amigo Fabio Rocha.


Quantas enfermidades
podem caber
num domingo?





Ígor Andrade


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Sobrenome Couto



Tudo em mim
olha pro céu
e esquece do chão.
Tudo se perde 
na contramão
do nada
no outro.




Ígor Andrade

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O domingo



O domingo cala
o imbecil
que desaprende
antes de tentar.


Antes de qualquer coisa
qualquer coisa fala
e aprende a andar.


O domingo também sabe amar.


Domingo este
domingo hoje
em que sinto falta
de Rafaela.


Fim de tarde: aquarela
nos olhos do poeta.


O domingo é uma linha reta
que alcança a curva
do juízo pleno.
Sentido ameno 
na escrita.


O meu domingo
é como o de Dona Rita
que cuida dos filhos
sem nenhum cansaço.


O domingo é um cangaço
sem crime
e sem creme 
na sobremesa.


O domingo é a certeza
de que tudo passa rápido demais.


Meu irmão anda muito estranho.
Minha mãe geme de dor no quarto.
Meu domingo é um parto.
O dia não olha pra trás.




Ígor Andrade

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sábado, 2 de junho de 2012

Desapoio 2



Para o mano amigo Fabio Rocha.


Não há para onde ir.
Não há o que fazer.
A poesia é nossa cruz
no meio de um deserto
que de certo não esfria.
Fazia muito tempo
que o tempo não fazia
chover na casa que não é nossa.
A gente mora na roça
das nossas namoradas.




Ígor Andrade


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Acho que voltei



Morro para não morrer.
Corro para não correr.
O cachorro de hoje não quer comer.


O que dizer quando o dia não diz nada?


Esperar a madrugada.
Que assim seja.
Depois do silêncio perdido
o berro da cerveja
e a solidão.


Contemplo o que quero
quando quero
mesmo que não veja a gratidão.


Meus amigos sumiram...


O embrião do mundo há muito se acostumou com o abandono.


Já não sei se sou o cão 
ou o dono.
Só sinto sono.
Mais tarde vou cochilar embaixo da cama.




Ígor Andrade

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Divagações de um acadêmico



Estabeleço a meta antes do mito. Eu admito, olhar qualquer rito e virar monstro. Não demonstro, piedade nem paciência. Tenho uma tendência absurda a seguir o caminho mais longo. Quem for fraco que fique pra trás. Me alongo no discurso, mas não me perco no curso da desgraça. A vida passa. Eu só faço o que quero. Espero mais de mim, e dos outros. Ficar louco nunca foi opção. Sanidade jogada no mato. Tudo morto, por aí! Por aqui tudo vive. O alívio do dia vem com a dor. Físico sem física. Mente sem mentir, pra si mesmo. O mesmo antes do mesmo. O máximo inalcançável. O mínimo e nós. Laços abertos. Braços fechados. Espaços infinitos. O inchaço do pedaço do peito do pedante. O instante, antes do estado. Peso pesado parado no tempo. A gota de suor pinga no chão. Mão forte. Vou longe quando estou distante.




Ígor Andrade

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sábado, 19 de maio de 2012

(H)ora



Mora em mim a simplicidade
dos primeiros degraus
de uma longa escadaria.
Hoje eu diria
que sou a casa velha
de mim mesmo.
Necessidade de ser tantos
na escrita sem religião.




Ígor Andrade

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31



Hoje como ontem.
Ontem como tudo.
Tudo como antes.
Antes como sempre.
Sempre como agora.
Agora como hoje.


O tempo se confunde 
se você pensa na idade.
Chego nos trinta e um
com a mesma disposição
dos quinze.
Mas a preguiça que sinto
do ser humano
me acompanha até o fim.


Trinta e um
e o lugar comum
é a mente.


Não sinto saudade de gente
do passado
e tenho passado bem.
Antes a dor de cabeça
do que perder o trem.


Muito vem
se você não vai
adiante 
olhando pra trás.
Não adianta
o sentido anti-horário.
Anti-séptico bucal
também faz mal.


Sigo anti-social
e encontrei a mulher da minha vida.
Sinal que não estou perdido.
Pedido pra esta noite: cerveja, e nada mais.


Hoje a poesia é que faz aniversário...




Ígor Andrade

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terça-feira, 15 de maio de 2012

A morada mora no ir



Tenho feito mais do que posso.
Tenho falado menos do que devia.
Tenho sido o que qualquer um seria.
Tenho pensado no que é nosso.


Tenho na palavra o consolo.
Tenho no olhar o colo.
Tenho a poesia no solo.
Tenho música no miolo.


Tenho tanta coisa.
Inabilidade casta.
Tenho mais que um verbo.
E isso não basta.




Ígor Andrade

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sábado, 12 de maio de 2012

Rumo ao estúdio



O sábado pede calma. Não, o sábado pede alma. Palmas para o isolamento. Isola o lamento e abraça a arte. Música que já faz parte do futuro. Literatura que é toda parte de mim. Passei um passado em silêncio, e este presente silício exige qualquer coisa além do inacabável. Incansável perfeccionismo. Muito ismo para pouco esmo. Isso mesmo, tudo hoje, tudo nosso. Inexorável é o ouvido do tempo.




Ígor Andrade


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Joelho direito



Minha mãe anda desanimada
por causa do seu joelho.
Minha mãe operou o joelho
e agora não está andando.


Uma queda perto dos sessenta
te senta por uma eternidade.
Deve ser chato demais
acordar entre muletas e andador.


Anda a dor, mas não andam as pernas...
Deve ser ruim demais depender de alguém.


Minha mãe anda desanimada
agora com uma placa de não sei o quê
e dois parafusos no joelho.


Minha mãe num dia qualquer
quando tudo estiver bem
vai desanimar de novo
numa porta giratória do bradesco.


O grotesco 
da vida é articular
nossas adaptações aos nossos dias.


Minha mãe anda desanimada
mas meu joelho vai bem.
E nem de banco eu gosto!




Ígor Andrade

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terça-feira, 8 de maio de 2012

Brotherhood



Para o amigo-irmão Victor Ramos.


O mundo está cheio de gente que nada vale.
O mundo está cheio de gente.
O mundo está cheio.


Mas quando penso em amizade,
em parceria e irmandade,
aí eu que fico cheio.


Quem não assume que se sente completo com grandes amigos por perto é de longe um covarde medroso e vazio.


O mundo está cheio de sujeito vazio.
E eu já não acredito tanto assim no mundo.


O mundo parece tão maldito às vezes
e às vezes eu preciso lembrar que conheci grandes guerreiros.
Sim... guerreiros. 
Aqueles caras que sempre seguem em frente
enquanto os outros desistem, sabe?
E você é um deles!
Sujeito homem que honra o sangue.
Soldado valente que luta pela família.


O homem que não tem um amigo
é uma ilha.
E logo desaparecerá.


E eu não acredito em fantasmas.


Mas acredito na nossa luta.
Acredito acima de tudo na disciplina do cultivo da força
que praticamos com tanto esmero.
Considero tudo que fazemos
como uma teimosia evolutiva
que não cansa nunca.


Hoje passei algum tempo pensando
na vida que tive durante esses trinta anos
e concluo que são poucos os que quero levar até o meu fim.


O mundo está cheio de calçadas vazias
e esquinas sujas.
Casas pobres que as águas levam nas enchentes.
O mundo está cheio de desgraça.
É na topada que a vida passa.
E a pedra de uma tonelada que carregamos diariamente
no lombo sofrido dos pensadores
é o que nos torna mais gente.
Somos os construtores de uma fortaleza
indestrutível e inimaginável
e nada mais.


O dia que começa com artes marciais
e termina com a hipertrofia dos juízos
é só uma parte de nossas capacidades como super-humanos.


Hoje estava pensando na vida
e resolvi escrever pra você, meu amigo.
O mundo não sabe da gente
e eu não estou nem aí pra isso.




Ígor Andrade

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sábado, 5 de maio de 2012

Substantivo peregrino


Parei no tempo
ou o tempo é que parou em mim.
Acordo com a sensação de que preciso do silêncio
e não preciso do calor.

Já não se fazem mais tardes frias como antigamente.
Já não se fazem mais antigamentes como antigamente.
Já não se fazem mais fazeres que prestem.

Antigamente eu até fazia mais
por alguém
por alguns.
Não sei explicar direito como isso funciona.
Eu sei explicar como funciono melhor:
Crio inimigos imaginários para tentar compreender a guerra.
A alma encerra
em si
o que a gente não aceita.
Minha raiva deita
no chão
do lado da minha cadela
que dorme de barriga pra cima.
A calma rima
com um talvez de saudade.

Há um tempo atrás tinha menos do que tenho.
E não falo de dinheiro, falo de conhecimento.
Por um momento percebo que não conheci muita gente de lá pra cá.
Não sinto que faço parte da sociedade.
E não compartilho minhas dores com o mundo.
Tem muito ser humano imundo que não merece minha atenção.
Considero os que fazem parte da minha vida até a morte.
Fortes somos.
"E que se fodam os fracos e corruptos!"
Uns poucos me são muitos, como os amigos de academia.
Quem diria que a força bruta fosse ser tão companheira?

Hoje vou pegar minha vontade de isolamento
e partir rumo a intelectualidade verdadeira.
Imortalidade de entendimentos.
Instrumentos que executam o vazio.

Repito:
Aqui não faz frio, faz calor.

Mas tenho as mãos geladas
e suadas.

Ainda não almocei...

Eu sei
mais do sábado do que ele mesmo...

...

O sábado é um sujeito sozinho, perdido num quarto branco, preocupado mais com as cervejas na geladeira do que com o aquecimento global, e não gosta de gente. O sábado sente que precisa de algo que não existe. E o que existe precisa da noite, e não do domingo.

O sábado sabe.
O sábado sobe.
O sábado e o sabre.
Sóbrio é que não vou ficar.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Zeitgeist naufragado



Perto de mim nasceu a urgência. Uma necessidade de não sei o quê e não sei quando. Uma conjugação de noites em que paro para pensar no que não tenho, no que não construí. Porque no fundo ninguém constrói. O concreto mente nas linhas. Entrelinhas acimentadas na imaginação. Mente que parece um verso. Um viver retilíneo que adora as curvas. A sombra na estrada enquanto o inverso de mim sou eu mesmo. Mesmo. Sem modo parece o outro. (Um minuto pro gole de café e a promessa que nunca farei.) Vida essa que parece a seguinte... Gente viva que parece morta. Aorta manhosa que parece solidão. Visão de um que entorta... a voz do outro. Tanta porta que não vai se abrir. Separação. Separo a reticência do vazio numa prateleira bem alta. Nunca alcançarei meu interior. Punho fechado que não quer mais escrever. Um desvio na noite e uma ilusão no retrovisor. Eu sou um reflexo no escuro. Ser humano impuro desde quando largou o ventre. Uma pressa uterina de paz. Longe daqui tudo é surdez. A rigidez dos dias que se esvaem, sem chuva, e a timidez das noites que nunca passam, sem lua. Minha janela é uma mulher nua, que não me quer. Tenho uma ligeira impressão que o silêncio joga xadrez com a cegueira, e não existe vitória neste mundo. Sou humano demais para entender qualquer coisa. O abstrato é uma ilusão acalorada no frio do deserto.




Ígor Andrade

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terça-feira, 1 de maio de 2012

DescARTE este poema



Arte é esquecer da arte.
Arte é entender a morte.
Arte é ignorar a sorte.
Arte é viver em Marte.




Ígor Andrade

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R a f a e l a



Sempre te vejo indo.
Sempre te vejo chegando.
Sempre me vejo faltando.
Sempre me vejo sentindo.


O sempre é o nosso advérbio preferido.
Nós mudamos nossos verbos e nosso tempo é esculpido
pela saudade.


Não há nada que roube você do meu pensamento.


Numa hora minha cama é tua
e na outra o teu cheiro é meu.
A presença é o pouco de quem não sente tudo.


Sinto tudo
mas não fico mudo:
O mundo é você.


Sempre me vejo seguindo
teus passos preciosos.
Sempre me vejo conseguindo
qualquer coisa que seja
pro teu sorriso aparecer.


Eu não mereço você.


E sempre te vejo voltando.




Ígor Andrade

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sábado, 28 de abril de 2012

O peso do carvalho



Adormece a língua da noite
na viagem do quarto escuro.
Se dissolve o tempo nas paredes.
O vinho, a água e o ar puro.
O porto seguro.
E um fantasma caminha na rua.
Tropeça na mesma calçada a úlcera crua.
Vida que segue seu curso.
A madrugada latina diferente dum poema russo.
As vírgulas se evaporam.
Enquanto pontos endurecem.
O silêncio existe.
O silêncio acontece.
Lembro de escrever o que você esquece.
E o sono não chega.
E o cão não dorme.
O vento venta um verso uniforme.
Meu relógio é uma pedra.
Meu filho não se chamará Pedro.
Antes era tarde.
Depois vai ser cedo.
Todo mundo tem coragem
mas só eu tenho medo.




Ígor Andrade

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