quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O que vi em um quarteirão

Tudo começa numa esquina
com o cheiro de batata frita
lembrando duma infância despreocupada.

Vejo um deficiente tentando atravessar
a rua.
A rua
me atravessa os olhos.

Um vira-lata me encara
como gente
e me sinto um cão.

(Lembro do livro
A Metamorfose
de Kafka...
O mundo será dos insetos.
Certeza disso.)

Num poste um cartaz:
Estrela Guia traz o seu amado.
E eu tenho certeza que alguém acredita nisso.

E tudo termina na outra esquina.

Atrás da vidraça da lanchonete
dois senhores grisalhos conversam
provavelmente sobre a vida que não tiveram.

(Falo sobre a vida
e sei que no quarteirão seguinte
na praça recém-inaugurada
os pombos serão indiferentes.)



Ígor Andrade

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sábado, 24 de setembro de 2011

Mulher

Vou dormir
depois de te amar
depois de pensar
que te amo menos
antes do sonho.



Ígor Andrade

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Lenitivo

Invento uma madrugada
só pra dizer que é minha
e ainda assim a perco
pro sentido das coisas
que não me pertencem.

As coisas me vencem
não pelo cansaço
mas porque são coisas
que não merecem sentidos.

Tenho sentido falta
daquele tempo em que
tudo era resolvido
quando trocava a lição de casa
por desenhos com dinossauros.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Informe

Acordo
para um poema
mas minha poesia dorme.



Ígor Andrade

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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Lobos de Whitman

Para o amigo Luiz Libório (um irmão mais novo, às vezes mais velho, que a vida me deu).

Meu camarada
fico eu aqui lendo seus poemas
e por um breve momento
desisto do futuro trágico da humanidade.

Autofágico
eu me sinto
às vezes
com este desejo de extinguir a raça humana
só pro mundo seguir daí
em silêncio.

Um momento breve
e que o tempo leve
minhas palavras ignorantes
ignoradas
e ignoráveis
muitas vezes por mim mesmo.

(Prometo não ser superficial
neste poema.)

Nós mesmos
seremos nossos lobos.
Que a matilha nos acompanhe
ou não.

Sujeitos malvados
vivem mais com seus
predicados inconformados de solidão.

Tudo vai nessa vida.
Nós também vamos
e eles também vão.

Por enquanto ficamos
com as vozes de hoje
que mais nos aporrinham
do que acalentam.

Meu camarada
prodígio pródigo
sem propósito
na poesia liberta.

Prosopopéia dos telhados sujos e esquecidos.
Prosonímia da noite em claro.
Próspero em tanta propriedade.

Meu camarada!
No fundo sabemos
que somos os sujeitos do outro lado da rua
torcendo pro miserável bater o carro na bendita baliza interminável.

Somos as calçadas imundas
em que as moças passam
e os vestidos voam.

Ah meu amigo
de tão longe
e de poesia tão perto...

Nós, os poetas
comemos o coração
ainda quente
das caça morta
antes mesmo de escrever o primeiro verso.

Somos o inverso
ou o universo
de sei lá o quê.

Meu camarada
conte comigo em qualquer caminhada
até a hora da morte e além.

Mas antes lembre-se:
Os poetas são predadores
do tempo
e buscam violentamente
um segundo de paz.

Aqui jaz
um poema pelo qual me orgulho de ter feito.



Ígor Andrade

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sábado, 17 de setembro de 2011

Sem gelo

Bebi a noite toda.
Não me arrependo.
Meu corpo não diz o mesmo.

Mil motivos até a embriaguez valer a pena.
(Ou seriam dois ou três?)

Que seja
a boca que amaldiçoa
é a mesma que beija.

O frio.
Sinto um frio.
Sou um rio
intocável
e esquecido
na noite.

Tremem os meus galhos fracos...

Lembranças de ontem:
Casais apaixonados nas esquinas.
Além de qualquer grande amor existente
vejo dores futuras incomensuráveis.

Beber é para os fracos.
Sim.
Além de tudo eu bebo.

Sofrer é para os fortes.
Sem mais.

Homens; pobres diabos
desumanos
sem norte
e sem sul.

(Escrevo melhor com caneta azul -
minuto no sense tipo insight.)

Almoço lá pelo fim da tarde
no sofá da sala de estar
e não estou.

Me sinto o mais imperfeito idiota.

A perfeição das horas
se faz com a consciência
dos sentimentos desconhecidos.

É... ando lendo muito
o velho Bukowski.

Preciso de mais uísque e cerveja!



Ígor Andrade

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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Bom dia, inferno!

Acordo
para o sofrimento.

Manhã que começa machucada.

Joelho na quina da mesa.
Testa no armário da cozinha.
Torcicolo e lombar de idoso.

Café forte demais... não gosto.

Não lembro do que sonhei.
Sinto-me um lerdo.

Onde deixei minha poesia
antes de dormir?
Nem consigo escrever direito.
Vou direto
ao ponto:
tentar acordar.

Acordo
sem acordo com o dia.



Ígor Andrade

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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O impossível factível

Eu sei tudo dela.
Ela sabe tudo de mim.
Nós não sabemos porcaria nenhuma
um do outro.

O outro é mesmo uma indefinição
de saberes.


Ígor Andrade

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Lenta mente

Lentamente
me despeço da tarde
esperando uma noite
que provavelmente não terei.

Tudo parece estranho e errado demais.

Levo horas pensando
em como devo deixar
de levar horas pensando
para não chegar a lugar algum.

A vida é tão comum...
A vida é tão comum...
A vida é tão comum...

Você nasce, cresce e morre
e no meio disso escreve poemas
para quase ninguém ler.

Lentamente
me despeço da tarde
com o pôr do sol
nos olhos
e um oceano quieto
no peito.

Sinto um sono medonho
mas não vou dormir.



Ígor Andrade

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fones de ouvido

Meus passos fazem
o caminho.

Nas calçadas cansadas
o canto triste
como o de um passarinho
engaiolado.

Eu não tenho ninho
neste mundo
mas tenho passado
e tenho pensado
muito
em voar.

(O futuro é a asa quebrada
de quem não consegue pousar.)

Versos que me guiam
nos céus que imagino...

Uma coisa é certa:
Não morro por falta de assunto.
E também não deixo de escrever.

Escrevo mais
quando caminho.

Escrevo meu caminho
nas tardes
em que carrego a noite no plexo
sem desespero.
Muito embora a palavra desespero
me desespera.

É a espera
da palavra certa
que me agiganta.

A palavra de hoje é paciência
seja com o que for.
E eu já fui
um sujeito mais agoniado.

Eu sei que toda agonia tem lá uma sublimação do cosmos.
E é na busca de qualquer harmonia que descanso meus pensamentos...

Pensar e pesar
o que penso
sem peso.

Coeso
é o juízo dos cães
que me parecem mais humanos do que nós.

Nós...
todos próximos
mas distantes...

Sinto sede
e sinto fome
e me recomendam fé.
A humanidade é
o medo de não acreditar
em nada.

Minha vida está bagunçada
e eu não quero arrumar.
Já basta o que tenho dormido pouco.
O louco cochila
no verbo presente.

Certo é o bêbado
e seu tombo
na calçada.
Certo é o pombo
que atravessa a rua
sem consciência.

Hoje na fila do caixa
abri a caixa de Pandora
de olhos fechados...

Hoje alguém
em alguma outra fila chora
e a senhora da frente ora
com um terço na mão
para um deus esquecido.



Ígor Andrade

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O desarmado pensa na desalmada

Me falta um pedaço
na madrugada.

Me falta o escudo
e me falta a espada.

Sou guerreiro
sem coragem
de dormir.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Corolário

Adoeço na vida.
Adoeço pela vida.
Adoeço de vida.



Ígor Andrade

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Olhos apertados (-.-)

O dia
é cedo.

A vida
é tarde.

Sou eu
a noite
sempre e ainda.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Literatura na veia (dopado)

Minha lombar
é uma vírgula.

Uma pausa ligeira
entre a dor do ser
e a saudade do sentir.



Ígor Andrade

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Golpes no lombo

Entre a décima segunda costela
e a crista ilíaca
uma odisséia dolorosa
e silenciosa
atravessando a noite
e a solidão.

(Troco
uma lombar nova
pelo meu coração.

...

Alguém?

...)



Ígor Andrade

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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A quem interessar possa

Injeção na veia.
Minha coluna entortou
e a coisa "tá" feia.



Ígor Andrade

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domingo, 4 de setembro de 2011

Aspecto

No fundo escrevo
sobre domingos
porque nunca tenho sábados.



Ígor Andrade

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Jardins (mortos)

De repente domingo.

E tudo parece parado.
Hoje tudo é fotografado
e "fotografável".

Aonde fica meu lado afável?
Amável
ou indelével.

Sei lá eu
se tenho essas coisas.

De repente sono.

Começo a pensar no dia
e já quero esquecer do dia.

De repente cão sem dono
e sem quintal.

Não sei se corro
morro
mato
o zorro
o forro
perdi-me
e passei mal.

A vida é mesmo um carnaval
às avessas.
E o domingo não tem pressa
pra acabar...

Dia
maratona
mar parado
minha poltrona
devagar.

Divagar
pra não enlouquecer.

O dia se arrasta.
A memória curta.
Uma tarde casta.
Mulher que surta.

Basta!

Furta
de mim
as lembranças
mas me deixa viver
em paz.

Tanta falta me faz
sentir falta
de alguém que nunca amei.



Ígor Andrade

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sábado, 3 de setembro de 2011

A Kyra da academia

De perto ainda mais bela.
De preto ainda mais alta.
Do parto ainda aquarela.
Desperto ainda sua falta.

Malta
escaldante
do sol que esta manhã
me fez.

Outra vez
te olho de longe
e de outro lugar.

Me sobra coragem
mas me falta o ar.

Pausa para o suspiro!
...

(Há quem diga que minha esquizofrenia
crie mulheres assim maravilhosas
para suprir a falta de quem me larga.)

Quando o dia é muito quente
a noite é muito amarga
e eu vou me azedar
nas lembranças.

Esqueci das distâncias
e tropecei na calçada
que ainda não pisei.

Eu erro.
Eu vou errar.
Ou eu já errei?

Só eu sei
que de perto
ou de preto
desperto minha poesia
no seu sorriso de dentes brancos.

Cavalos mancos
são os homens que têm medo
dessa proximidade e da tua voz.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Brasília

Para meu irmão Thiago Andrade.

Dos poucos que tenho
você vale muito.
É sempre hora para dizer.

Você aí
e eu aqui.
Às vezes custo a perceber
que somos um.

O grande filósofo Aristóteles disse:
"O que é um amigo? Uma única alma habitando dois corpos."
Pois bem...
Sinto que não há distância que nos separe.

Mesmo que o tempo pare
um dia talvez
ainda habitaremos lugares comuns.

O mais é o que vejo agora:
Uma cozinha organizada,
um quarto arrumado,
e o silêncio da sala.

Depois disso meu poema cala
para amar você
meu irmão
quieto.

O secreto
na vida
é reconhecer
que no outro posso ser inspiração.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Lacônico poeta

Para Ulisses Borges.

Quando sucinto
não sinto
direito.

Direito
do poema
não ter fim.



Ígor Andrade

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