quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sed fiat voluntas tua

Os servos
em plena servidão
ainda
e também
servem
para votar.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Passa(rada)

Preciso aprender
a desaprender
no aprendizado.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Idílio

O bucólico
das vicissitudes
me vicia.


Ígor Andrade

__________________________________________________________________

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

No olvides, hermano.

Para meu irmão Thiago Andrade.

Não proteja suas emoções
mas também não as ataque
sem antes conhecê-las.

Você não precisa ser uma fortaleza
se não consegue enxergar a beleza
das pequenas coisas.

Eu sinto que somos fortes
quando não precisamos
usar a força.
(A força maior é compreender-se.)

Apenas seja, meu irmão
apenas veja
que a vida é curta
e a alma é plena
apenas veja.

Entre a pressa
de um coração taquicárdico
e a calma de um ansiolítico
existe a consciência inocente
de que tudo é aprendizado.



Ígor Andrade



Por una cabeza

Dantesco

Não me interessa encontrar.
A busca
já é encontro.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Metamorfosis

Não me importa
a porta fechada
ou as paredes
sem janelas.

Tenho todas as causas
de uma única razão
de ser: imaginar.



Ígor Andrade


Metamorfosis
Juan Carlos Estrela

domingo, 26 de setembro de 2010

Noite de vidro

Noite de vidro
rígida e transparente
aos olhos.
Onde fito o inalcançável
sentindo frio
e fome
e falta
de não sei o quê.

A noite é de vidro
e eu me quebro
numa saudade
do que existe perto
e eu não toco
(tocar o céu inimaginável
é o que quero).

A noite é de vidro
e me sinto ignorante
perante a vida.
Tudo está tão claro
e não entendo
essa escuridão.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Suscetível

Não vejo sentido
em muitas coisas.
Escrever é uma delas.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Concílio

Nunca dormi tanto
no entanto
acordo triste
cansado
enjoado de tudo
e quero dormir mais.

Acordar
nem sempre
é abrir os olhos
nem sempre
é entender-se.

Acordar é chato!



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

sábado, 25 de setembro de 2010

Democracia poética

Dizer
pelo outro
e escrever
por si mesmo.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Direto

Às vezes você diz
o que você quer
mas não sabe ler.

Às vezes você diz
o que os outros querem
mas não sabem dizer.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Zéfiro

Todo vento traz.
Tudo lento faz.
No todo tento a paz.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Menina

Para minha cunhada Talita Rocha.

Talita não é rocha
é pedra preciosa
Talita não é pedra
é pétala cheirosa
Talita não é pétala
é jardim de paz
Talita é a calma
na minha família
Talita é todo sorriso
e nada mais.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Ab immemorabili

Alguns dias
de papo pra cima
meu papo calado
silêncio no ouvido colado.

Alguns dias
apenas
que parecem muitos
e agora eu quero falar.

Mais do que isso:
agora eu quero olhar
alguns dias
sem compromisso.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Óptica

A imperfeição está
no modo
de olhar.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Esta lua cheia


Esta lua cheia
é o lugar incomum
que não procuro
e me acho.



Ígor Andrade





__________________________________________________________________________________________________________

Vista curta (os vultos)

Miopia minha
de cada dia
se eu enxergasse
eu te diria...



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Sala grande

Um poema de segunda (20/09/2010).

A poesia me salva
do tédio.

Estou sozinho em casa
também estou sozinho
no prédio.

Silêncio e lentidão
os mitos da síndrome do pensamento acelerado
no chão.

Me encontrar
é tão preciso
e precioso
quanto necessário.

Vasculho o prazer do ócio
obscuro e escondido
vasculho no armário.

Sinto o tempo que anda sobrando.
Sinto o sabor da sobremesa.
Qualquer coisa que tente me apertar eu empurro de volta.
Qualquer coisa que eu diga nesta hora
é pura e completa franqueza.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eu só queria

Antes da cirurgia
eu só queria
a tua mão e tua voz
a presença do além-dentro
o abraço da paz
eu só queria.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Avante

Ainda é muito cedo
pra pensar neste depois
que é pouco
e sentir (sem ti)
tanto medo.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Lexotan Lexotan Lexotan

Me aproximo
da escuridão
agora.

Não aprendo
a esperar
o sono.

Nem aguento
a ansiedade
da hora.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Ânsia

Não consegui dormir.
Nem tentei dormir.
Mas preciso acordar.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Substractum

Me preparo
para entrar na escuridão.

De volta ao passado
onde os olhos cansados
de uma criança cansada
traziam sofrimento.

Faltam dois dias
para a cirurgia.
Será cedo do dia
e sairei sem enxergar.
Apenas a imaginação será meu mar.

Que a paz
e a poesia
estejam comigo
porque meu corpo
parece querer fugir.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

terça-feira, 14 de setembro de 2010

E se eu ficar cego?

Minha história
circula insatisfeita...
Nesta madrugada que
me parece tão suspeita.

(Procuro e procuro
e nada.
Apenas estou
entre o juízo do escudo
e a loucura da espada.)

Minha história
circula insatisfeita...
E todo o corpo já morto
que é meu
não deita.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O essencial é absurdo

Namorada:
tenho nada.

Alvorada:
tenho tudo.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

domingo, 12 de setembro de 2010

Hórus

Todo instante
que é
eu sou.

Tento agora
esvaziar minha cabeça
(enquanto minha vida
parece vazia).
Estou na sala de espera
a consulta está demorando
eu estou demorando
a minha existência está demorando.

Tanto instante por aí
que não é...

Como esvaziar a mente?
Como esvaziar a palavra?
Há tanto a ser dito
e eu prefiro escrever.
Digo assim em folhas
brancas e secas
um poema que é árvore
no meio do nada.

Por que tudo que tem de ser dito
é tão difícil?
Fui acostumado a não dizer.
Fui acostumado a me acostumar
com o não dizer.
Só que hoje digo
por libertação.

A palavra é liberdade presa
e minha mente não vai esvaziar nunca.

A voz de cada pessoa
nesta fria clínica
me incomoda.
O ar também frio
condicionado
me incomoda.
Esperar me incomoda.

Sou e estou inquieto.
Estado de alma
às vezes torto
às vezes reto.

Olho a atendente
olhos claros
azuis como o fundo do mar
(e eu nunca estive no fundo do mar)
azuis como o céu no fim de tarde
(e eu já estive em muito fim de tarde).
Não a invejo
a admiro
e sinto agora saudade
do meu amor.
Vejo o mundo com os olhos dela
às vezes.

Sinto a saudade
sinto a espera
e pareço não estar aqui.
Preciso de novos olhos
de novo o olho
e olho dentro
o que existe fora.

Todo instante
é tempo demais
e sou a espera hoje
do que não acaba
nunca.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Toda tarde

Toda tarde
me ultrapasso.
Não porque quero
mas porque posso.

Não ir além de mim
se todo horizonte for finito
é permanecer na tarde
sem entrar na noite.

Toda tarde
me "ultrapássaro"
(e não criei esta palavra agora
a conheci em algum lugar
em outra perdida hora)
porque aprendi a voar
sozinho.

Toda tarde
eu sou tardio
e me ultrapasso
porque penso no agora
como um amanhã sem fim.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Palpitação

O prédio todo acorda
o prédio todo mesmo.

Tudo acorda.

Ouço o barulho da água
correndo nos canos.
Ouço as vozes dos vizinhos.
Ouço meus enganos.

Tudo acorda.

A janela
se abre pro sol
na cozinha
se bate uma porta.

Pulsação
dilato a visão
me encontro
aorta.

Olho para o prédio do lado.
Na varanda
um menina morta
sem namorado
e me sinto vivo.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

domingo, 5 de setembro de 2010

Reconhecimento

Sinto em mim
uma capacidade medonha
de viver o que é quadrado
e obscuro.

Mas eu quero o redondo
quero o giro absurdo
quero e preciso
do que é iluminado.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Escrevo

Escrevo
para
me ler.



Ígor Andrade

__________________________________________________________________

Era errada

Mergulho numa quase dor
de um quase dia
que quase acordei.

Estou tão próximo de entender
que estar próximo não é ser pleno.
(Que Strauss me ajude com seu piano.)

Já é noite
quase
e já sei o que esperar.

É como se eu
não esperasse
por quase ninguém.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Perto

Meu pai se mudou
mas não mudou.
Mudou para um apartamento maior
mas o apartamento parece o mesmo.

(Tudo lá dentro me diz
que não importa o lugar.
O lugar de mudança
está dentro de nós.)

Meu pai se mudou.
Agora o tenho
como antes
(ainda longe)
aqui perto.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Diafragma

A rua está vazia
e estou cheio de mim.
Isso não é ruim
isso é ser eu.

Todo soluço de vida
escondido na noite
ainda é meu.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________

Natureza serena

Os cavalos dormem
em meu peito
e por um instante
um raro instante
sinto a impressão
bem vagarosa
que tudo é meu
todo vasto e verde campo
é meu
e não tenho a obrigação
de correr.



Ígor Andrade

_________________________________________________________________