sexta-feira, 30 de abril de 2010

Retiro

Noite sem dormir
manhã sem querer
acordar: mau humor.

Preciso deixar mamãe no cursilho
fim de semana de retiro
e eu me retiro
do sonho matinal
para uma boa ação.

(Mamãe disse que mais tarde, fará pra mim uma oração. Estou com sono, e pareço não ter coração.)

Quanto mais ela fala
mais eu me calo.
Tento mostrar bravamente
que sou ouvidos
sem olhos.

Carrego no colo
rosas brancas
para enfeitar os pés de Nossa Senhora
(e continuo ateu).

Mamãe diz que me ama
sempre que passa dois dias
fora de casa.

(Se religião for isso
deixa ela acreditar
em qualquer coisa
porque em mim é difícil.)



Ígor Andrade

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quarta-feira, 28 de abril de 2010

La multitud

Estou sozinho
comigo mesmo
como sempre
como antes
(e depois).

Inexoravelmente
hoje
estou bem.



Ígor Andrade

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Tarde tarde

Ao passar pela cozinha
e área de serviço
nesta tarde tarde
não consegui não ficar
olhando pro prédio novo
construído atrás do meu
(que tapa a visão da rua movimentada que eu tinha antes).

Uma moça alisa os cabelos
a senhora do segundo andar balança na rede
um homem no andar de cima passa a vassoura no quarto...

Como nós seres humanos parecemos patéticos vistos de longe!

(Lá embaixo uma piscina suja, assim como eu, sem ninguém dentro.)

Passei um bom tempo
pensando no bom tempo
que tive e poderia ter.

O povo parece feliz!
Eu pareço não
tentar parecer nada.

A tarde tarde
me arde em pânico
e com o peito quente
tento não sentir calor.

(Um dia limparão a piscina, para alguém mergulhar.)



Ígor Andrade

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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sorriso falso

Ignorar e tentar dormir.
Lembro só de coisas boas
mas o ridículo quer me consumir.



Ígor Andrade

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domingo, 25 de abril de 2010

Estela

"As mulheres muitíssimo belas surpreendem menos no dia seguinte."


Stendhal

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Ela era tão bela
ela era a fera
ela era ela
e agora tão boba
ela me feriu.

Deixou de ser bela
deixou de ser ela
mas continua a fera
que ataca por medo.



Ígor Andrade

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sábado, 24 de abril de 2010

Sem-vegonhez

Tarde fria.

Entre a decepção
de sonhar com o passado
e o que tenho passado
fico com a agonia.

Cochilei na rede
eu e meu pesadelo
e acordei com raiva de mim.

Sonhar com uma bruxa
nesta libertinagem sem limites
é o meio e o princípio do fim.



Ígor Andrade

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Solo

Não há espaço hoje
para mais nada!
Um poema ou uma espada.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Da resistência

Para o amigo Leo Macedo (o Soldado)


Amigo Leo
hoje mais cedo
(do que antes)
eu pude perceber
o quanto aprendo
sem querer aprender.

A vida é um campo de batalha
(e eu que vivo lutando não sabia)
e só vive bem quem arrisca e falha
no tempo que passa como vento
em cortes de navalha que ninguém vê.

Meu amigo
não importa a guerra
na importância da Terra.
O que abre as portas
no caminho
de dias longos
e noites tortas
é a paz.



Ígor Andrade

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Leveza?

Uma gérbera
laranja e solitária
imóvel e imutável
no meio do nada
e o nada é branco
e branco é meu sonho
e meu sonho ainda sou eu
tudo sem sentido mesmo
(tenho sentido que tudo não me pertence).

Estou olhando uma flor
e não quero acordar.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

A procura da poesia

A minha janela olha para o concreto
estou certo
este mundo imenso
imerso
não é reto
e eu aqui abstrato
tentando abstrair a totalidade de tudo
sou mesmo todo esse absurdo
e faço parte de alguma parte
que se perdeu.

Meus ombros pesam os prédios
que tento ignorar
com ignorância.

Abençoado seja o nosso lar
em algum lugar
de esperança?

Silêncio... silencio...

Quando me sinto agoniado
não rezo
não converso
me despeço
de mim.

Quando estou triste
escrevo
ou bebo
brigo
fico quieto
sinto medo...

Quando sou quando
me sinto mudo
mas mesmo assim
continuo sendo homem o bastante
para passar horas imaginando
o sentido das coisas.

Veja você.
A minha janela
que você não vê
é tão ela
é tão janela
no sentido das coisas
passando como horas
que me faz sem sentido
como os olhos de vidro
desta toda manhã.



Ígor Andrade

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sábado, 17 de abril de 2010

Ojos

Estive muito doente esta semana
no entanto me sinto saudável
para continuar
tentando
apostando
inquietando
minha poesia.

Olho os olhos
no silêncio
e escrevo
apenas.

Qualquer arte
me aproxima da morte
e ironicamente
me sinto vivo.

Dai-me
papel e caneta
e consigo sorrir.



Ígor Andrade

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Agora pouco

Saí de casa
meio Drummond.
...

(Parece que vai chover
mas aqui dentro faz sol
mesmo que seja noite.)

Saí vendo cor em tudo
ouvindo a voz de cada coisa
lembrando e amando
quem não tenho.

Caminho em passos imóveis
dentro de um automóvel
com ar condicionado
e som baixinho.

As ruas são as mesmas
e mesmo assim
tudo agora é diferente.
É só olhar com outros olhos.
Olhos que não são meus.

Como é bonito sentir
que minha acensão intelectual
independe do tempo
dentro ou fora.
Sou um pouquinho que seja
uma semente mais aberta
nesta hora.

Voltei pra casa
e percebo
talvez pela primeira vez
como me sinto.

Eu sou a própria pedra
no meu caminho.



Ígor Andrade

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Trailer

A moça da locadora
hoje falou
hoje me olhou
nos olhos
e disse saber meu nome.

Gostava mais daquela moça
quando era muda atrás do balcão.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Aquiescência

Chove a chuva fina.
Escorre eu pequeno
pelas calçadas.

Para onde vou?
Esses bueiros não me dizem nada.

Eu adulto
seco e cego (e culto?)
desemboco no deserto.



Ígor Andrade

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Vão

Escrevo mais na solidão.
Eu penso em tanto sim
minha poesia diz que não.



Ígor Andrade

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Influenza

A rua me olha de longe
lá embaixo
e eu perto
de mim.

Tento acompanhar
os cantos de bom dia
mas são tantos passarinhos...

Mais um dia
e uma noite passou
e eu passei sozinho.

Negocio com esta gripe
pelo menos hoje
um sono tranquilo.



Ígor Andrade

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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Garganta

Sinto-me bem.
Estou doente
e perdi alguém.



Ígor Andrade

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terça-feira, 13 de abril de 2010

04

O que é minha poesia sem seus olhos?
O que minha poesia grita no silêncio?
O que é poesia sem seus sentidos?
Minha poesia é você?



Ígor Andrade

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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Poema de após chuva

Dia de lembranças molhadas
daquelas de lamber o juízo
e afogar a alma.
Como se a calma viesse me visitar...

O melhor de se fazer em dias assim
nem bom nem ruim
é deitar na vida
que continua insistindo
sem olhar para o céu.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Paranóia

Nas horas mortas desta manhã
(que não amanhece)
eu adoeço
(ou anoiteço).

Não preciso:
do buda do meu pai
nem do deus da minha mãe
muito menos do pastor do meu irmão.

Não preciso nem de um grande cientista
pra saber que as coisas andam erradas
e que eu, só eu, sou o único culpado.

Nas horas mortas
adoeço
e nas horas vivas
esqueço
que a cura singular
para este plural do que sou
está em mim.

Não posso fugir
não devo fugir
e não quero fugir.

Se eu me ameaço
eu me enfrento.

Tudo que faço
aqui fora
é tudo que não quero
aqui dentro.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Apolo

Se eu não falo
se eu me calo
é porque quero colo.



Ígor Andrade

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Grinalda

É pensando em você
que me sinto poeta.

Não existe porta
ou parte.

Tudo é metade
ou meta.



Ígor Andrade

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Não pensei

No Pecém
de sempre
eu passei
pelo Ígor
de antes.



Ígor Andrade

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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Reprimenda

Prezado pai (pesado pai),
passar a noite ouvindo
que não quero nada com a vida
me faz querer outra vida
ou outro pai.



Ígor Andrade

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Reflexão ou refeição

Para o irmão e o pai (meus?).

Eu penso.
Tu jantas.
Ele janta.



Ígor Andrade

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terça-feira, 6 de abril de 2010

À beira

Saudade
do tempo bom
é pouco.

Não deveria ter me tornado adulto...
Mas não sou criança
nem louco.

Qualquer pânico
ou suspeita do mesmo
não é menor que outro mesmo
é bem maior que este sufoco.



Ígor Andrade

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Jantar fora (de si?)

Eu não fui neste jantar.
Eu não estava lá
e nem queria ir.

Se falaram de mim
não sei.

Mas jantei
camarão e tudo mais
bebi cerveja
e trouxe um cupom fiscal.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Lia Lição

Para Lya Luft.


Eu também amo!


A morte é o norte
que não tenho.

Tu alinha as linhas
e eu venho.

A falta é
a direção certa.

A noite é alta
estou alerta.


Eu também amo!



Ígor Andrade

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Agonia boa

A poesia me mata
porque está viva
dentro de mim.



Ígor Andrade

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Fantasma

Que vida é essa
que passa?
Que passo...

Que vida foi aquela?



Ígor Andrade

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Anda Andrade

O que começa errado
não precisa terminar
errado.

Errar
é parar no meio.

(e este poema
não tem
um fim...)



Ígor Andrade

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Revisitando o eu

Para fernando Pessoa.


Sim: eu quero tudo.
Nunca disse
que queria tudo.
Nunca disse tudo
e nem vou dizer.

Quero somente o que não existe.
Como os deuses criados.
(MORTOS!)

Seja no paraíso
seja no inferno
seja eu em qualquer lugar.

Desejo somente
um tudo diferente
sem metafísica alguma.



Ígor Andrade

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