terça-feira, 28 de junho de 2011

Mata-cobra

Tudo é sombra.
Tudo é sobra.
Tudo é obra
em tudo.



Ígor Andrade

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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Eu não valho a pena

Eu não valho a pena.
Minha alma é muito grande
mas minha paciência é pequena.

Tudo isso é difícil demais
de entender.

Sento nas costas da noite
com a mesma dúvida que você:
De onde veio esta expressão?
Valer a pena!

Pois bem, leiam o livro dos Mortos
e Osíris com seu julgamento final
dirá se toda alma alcança a luz.

Não preciso falar aqui
da minha consciência para mim mesmo.
Sou um sujeito pesado de consciência leve.
Ou pode ser o inverso
do verso
imerso
na escuridão.

Enfim...
Deixa Osíris falar, deixa ele
na contramão.

Bem ou mal o meu valor
está em aprender
qualquer coisa
à qualquer hora.
E ainda bem que gosto de mitologia.
E ainda bem que os egípcios me fascinam.

(O Antigo Egito
é como um grito
pra quem gosta
do silêncio.)

Mas no momento preciso dizer
que eu não valho a pena.
Não conheço o perfume da açucena.
Eu não valho a pena.
Sou touro irritado na arena.
E a tevê chiando sem antena.
Eu não valho a pena.

(Minhas rimas são pleonasmos viciosos mesmo
e devem valer mais que eu.)



Ígor Andrade

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sábado, 25 de junho de 2011

XXX

"Há vermes no ventre assim como primaveras na floresta." (C. S. Lewis)

Depois dos trinta
nada mudou
nem o amor
nem o pavor
de ser só.

Depois dos trinta
qualquer traço é abraço
e de qualquer laço eu faço
um verdadeiro nó.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um poeta esquecido 2

A meta é lembrar
do que não
aconteceu.



Ígor Andrade

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terça-feira, 21 de junho de 2011

Qualquer sentido

Só a morte
me tira
o sono.



Ígor Andrade

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Se vai Ariel


O que eu temia
aconteceu.

Ariel se foi
e mal amanheceu
e mal amanheci.

Hoje descobri
(mais uma vez)
o que é perder.
E hoje eu perdi.

Ariel se foi
cega, velha e linda
com aquele jeitinho de paz
e ainda
não me conformei.

Ariel se foi
como um poema de Sylvia Plath
como uma lua de Urano
e cá estou
com frio
e sem sono
neste sentir perdido.

Logo eu que não tenho amigo
vou perdendo meus cães
antes de amanhecer.

Ariel se foi
e nunca vou esquecer
da minha rainha.
Era assim que eu a chamava.
Uma cadela majestosa por natureza...

Mas Ariel se foi
com sua beleza...

(...)

E se foi Ariel
num dia estranho
que eu não conseguia dormir
e estranhamente hoje
antes de partir
tinha um branco esquisito no céu.



Ígor Andrade

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domingo, 19 de junho de 2011

Seu José Augusto Pessoa

Um senhor de banho tomado, todo arrumado, me pára na rua; na rua parada, afinal hoje é domingo, e domingo o povo pára. Seu José se apresenta e pede para que eu ande devagar com os cachorros. Ele fala que os cães também cansam, assim como a gente. De cansaço Seu José Augusto entende mais que eu. Sou todo silêncio e atenção em olhos arregalados para o Seu José. Domingo ao mesmo passo que me agonia me intriga. Em cada encontro comigo ou com o próximo, me sinto mais distante deste mundo. Seu José pergunta se tenho pai e mãe. Eu até os tenho quando quero. Fico pensando se este senhor que mal consegue falar ainda tem filhos... Seu José Augusto Pessoa, sobrenome do meu poeta favorito (foi a única coisa que pensei quando ele disse seu nome), disse que morava na outra rua, numa casa branca, ou era amarela, não lembro direito. Me perdi pensando em como este senhor chegaria do outro lado do quarteirão. Distâncias e estâncias. Ser a própria casa quando tudo fica longe da chegada. Foi o que aprendi hoje, mas parecia saber antes. Seu José Augusto Pessoa fala num tom baixinho que eu fique com Deus e que toda providência divina tome conta da minha vida. Como vou dizer para este velhinho que não acredito em deus algum?



Ígor Andrade

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O Monstro do lago Ness

Procuro
não sei o que
não sei onde.

Num quarto frio
aumento meus conhecimentos
sobre criptozoologia.

É embaixo da cama
que cresce o medo
da criança que ainda sou.

Paulo Leminski
Jorge Luis Borges
C. S. Lewis
e Walt Whitman
me fazem companhia.

Uma companhia gelada
mas que aquece.

Pouco juízo
eu tenho muito
e hoje tudo é fogo.

E ainda tem a chuva
pra aumentar a confusão.

Tudo lá fora
se encontra tão molhado
quanto meus olhos.

Certas noites
tudo fica
meio salgado.

Solidão é sal que não desce.

Solidão esquece
e volta pro mesmo lugar.

Há sempre aquela bendita noite
que eu preciso correr pra caminhar.

Ou algo do tipo.



Ígor Andrade

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sábado, 18 de junho de 2011

Sabatista 3

Eu não sigo o sábado.
E o sábado
me persegue.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tarde sem vento

Um homem só
numa tarde vazia.
Calçada em sépia
como do dia anterior.

Pouco muda nesta rua.
Pequeno espaço de tempo eterno.

Eu passei por este homem
dois dias seguidos
e se passasse mais um
seria a mesma coisa.

Descalço
na calçada
e de calças sujas.

O fim de semana
não preocupa este sujeito
e é aí que me vejo neste indivíduo.

Indivisível indissociável
deste infinito reduzido.

Existir no dia que passa
enquanto o povo caminha na praça.
Verbo ser antes de sentir
que não me pertence.



Ígor Andrade

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terça-feira, 14 de junho de 2011

Obstinação

Quem segue cego
não se acostuma
com a escuridão.



Ígor Andrade

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Número atômico 47 (Um poema desnecessário)

Então é assim.
Então é o fim.
Como quando termina
qualquer caminhada.

Mais que um adeus
de perto ou de preto.
Mais que uma sombra
na suja calçada.

Então foi em vão
enfim...

(A lua cheia
que me persegue
neste vazio
se esconde nos prédios
como quem quer roubar
tudo de mim.)

Fico eu e esse tudo de mim
que quando não é saudade
é teimosia e burrice.

Então é assim.
Escrevo o desnecessário
para não me sentir só.



Ígor Andrade

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um poeta esquecido

A meta é amar.
Nasci antes
do verbo.



Ígor Andrade

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Junho

Em que ontem,
no nascimento deste amor
que amei,
brilhou o sol
do mesmo jeito?



Ígor Andrade

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Clepsidra

Não desistir deste ser
como fizeram os outros
parecidos ou não
comigo.

Amigo
é uma coisa faltosa
mas escrevo e esqueço.

Entardeço
na inutilidade adiantada
da noite.

Antes da noite
não renunciar aos poemas
que me contam o que querem
do dia.

Este deve ser o caminho.



Ígor Andrade

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domingo, 12 de junho de 2011

Doze chato

Independentemente da causa, da pausa e do dia, hoje anestesia. Anestesiado me sinto. Nada foi dito que eu já não tenha imaginado. Hoje. Nada me diz nada sobre o amanhã. Como sempre caminho na rua perdido; e me encontro. O dia branco foi um ponto nessa sensibilidade azul. Alguém me ensina o caminho de volta pra casa. O oposto do norte, a faca e o corte: o sul. E as reticências... Quem és tu? Criatura que me lê e não me ama? Mereço mais que o entendimento, mais que o arrebatamento da cama. Me engana, pelo menos. Me engano, pelo o mais. Qualquer analgésico, esquecido na gaveta empoeirada, me promete a paz. E com a paz eu posso. Porque da guerra eu cansei. Quem és tu? Eu nem sei. Eu não sei. Eu nunca sei, aliás. E quem sou eu? Eu não sou. Quando penso no amor sinto dores de cabeça. Quando penso nas dores de cabeça sinto o amor.



Ígor Andrade

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sábado, 11 de junho de 2011

#SarauLetras365

Poesia é cura.
Fruta madura.
Da árvore invisível.



Ígor Andrade

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Epicédio

A verdade
não tem voz.
Tudo é abismo
dentro de nós.

Sábado atroz
e eu sozinho.
Me desalinho
em poemas...



Ígor Andrade

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Salvador

Sábado sabe.
Sábado sei.
Sabador.



Ígor Andrade

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Sabatista 2

Sou João com fome
e Maria sem nome.
O sábado me consome.



Ígor Andrade

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Ensaio sem fim

No sábado não saio.
No sábado eu caio.
No sábado em mim.



Ígor Andrade

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Sabatista 1

Sábado é um prédio.
Vazio de medo
e cheio de tédio.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 10 de junho de 2011

A quimera me olha de perto

Acordo desorientado.
Na verdade nem sei
se estou mesmo acordado.

Escrevo no automático
porque me falta um manual.

E me falta tanta coisa...
O sono tranquilo
por exemplo.

Não entendo o que sonhei.
Ponto!

Acordo sem direção
desequilibrado
e preciso de café.

(Aliás, preciso de café toda hora.
Mas poderia ser cerveja também.
- O alter-ego que escreveu isso.)

Na tevê
vejo um sujeito
praticando uma pesca tribal
tão primitiva quanto o nome da ilha
que o próprio se encontra:
Ilhas Salomão.

A beleza do lugar
vale antes mesmo
do poeta acreditar
nas façanhas da tribo local.

Vou dizer uma coisa:
Pescar o peixe mais veloz
com arco e flecha
é um troço absurdo.
Pescar tubarão com uma linha apenas
é um completo desatino.
Mas contra-senso mesmo
é o sujeito acordar
e sentar na frente dum computador
pra falar com gente que não responde.
(Ou com gente que não se importa.)

Na madrugada
sou uma ilha
mesmo.

Pescar poesia
é mais fácil
quando se tem fome
e solidão.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Diaphanes

Adormeci
sob a égide
da madrugada.

Adormeci
em paz
e mais nada.

Sinto que
quando adormeço
na madrugada
é por puro prazer.



Ígor Andrade

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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Me aparto de ti

Me afasto de ti
pra escrever
o que sinto.

Eu minto
em todas as distâncias
porque todo sentir
é perto.



Ígor Andrade

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Por la tarde se quema

A tarde
arde
em metáforas.

Persigo
uma vontade de ferro
de ser leveza.

Persigo a pureza
da manhã
esquecida.

Aquecida
a poesia
no ser.

E eis-me aqui
com sono
e lento.
Violento
o céu.

Olho
com olhos de bandido
a tarde dos outros
que eu roubaria.

Sou-me e só.
Como o menino
que brinca no parquinho
deste prédio onde habito.

Sim, habito onde vivo.
Ocupo espaço.
Moro em cada traço
do verso.

Esta tarde é vida.
A vida da tarde é o terso.
Encontro-me na tarde
disperso.

A morte que é
um pleonasmo vicioso
e ninguém conhece.



Ígor Andrade

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Dolce far niente

O tempo
é labirinto.

Minto.

Meu tempo
é mente.

Quente.

Todo poeta
é distinto
e tem instinto
faminto.

Todo poeta faz poesia
na dor de dente.

O tempo
é labirinto.

Esqueci minha lente.

Sou platelminto.
Sou asquelminto.
Sou acidente.

Quem sente
o que sinto
ou o que sinto
de quem sente.

O tempo
é labirinto.

Quadro
que eu pinto
no quarto.

Labirinto.

Verso
de trás
pra frente.



Ígor Andrade

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Quase três da manhã

Um bêbado
atravessa a rua
e cai.

Um poema
se levanta
buscando ressaca.



Ígor Andrade

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Teimosa feito uma porta

Já é noite
e sinto que
perdi o dia
na boca
da mulher
que silencia
e vivencia
saudade.



Ígor Andrade

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domingo, 5 de junho de 2011

Sem mim

Sentir
que sem ti
não sou.



Ígor Andrade

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The night mare

He met the nightmare
and her name he told.
The life is very old
and the poem is cold.



Ígor Andrade

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Os poetas se entendem

Para Jorge Luis Borges.

Não há poeta
por mais medíocre que seja
que não tenha escrito
o melhor e mais triste verso
para a mulher que ele mais amou.



Ígor Andrade

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Só (e sempre)

Parafraseando o amigo Fabio Rocha.

Quem carrega consigo
a dúvida
tem algo a aprender.



Ígor Andrade

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sábado, 4 de junho de 2011

Longe-perto

Hoje o meu alívio
é um dilúvio
no teu deserto.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 3 de junho de 2011

A distância entre dois pontos (ou entre dois tontos)

Eu te vejo
mas não te toco.
Mudo a vista.
Mudo o foco.
Fico louco.
Ficou longe
(ainda mais).
Fico e fiquei quieto
porque tudo em mim
é silêncio.
E quando falo tudo em mim
incluo a sua voz
que fala por mim
que fala por nós.
Respeito demais
sua língua
e por isso me calo.
E sem colo
eu sei
que você pensa
e pode até me chamar
de louco.
Mas que fique claro
que só aceito que me chame
de duas caras
se tiveres me olhando
do seu espelho.



Ígor Andrade

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cruz de Malta

O poeta é solitário
e escreve o que pensa
em voz alta.

A noite é triste.
O punho em riste.
E à noite sinto falta.

Mais uma rua vazia.
Os olhos de Santa Luzia.
As luzes na ribalta.



Ígor Andrade

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Do machucado

A tarde
é covarde
e morde.



Ígor Andrade

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Gelatina

Ela desistiu de mim
por isso acordei assim
tremendo.

Tremendo
assim acordei por isso
de mim desistiu ela.



Ígor Andrade

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