quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ocultação


A lua imensa
atravessa Júpiter
com uma certeza:
o espaço não tem ouvidos.

E meu silêncio esqueceu de mim.

Estou assim
meio cósmico.
E nunca falei tanto
sozinho.

Hoje até o cão mais vagabundo
encontrou uma sombra
na esquina.

É poético envelhecer
antes do poema?

Sinto um frio na espinha.
Uma folha em branco
tenta me ajudar.

Minha maior natureza sempre foi observar.
Sempre entendi a natureza de absorver.

(Segrego um segredo grego
de um gago gordo.
Só para entender o quanto
sou alienígena de mim.)

Sorver um café gelado.
Servir uma escrita quente.

Meu pulso mente
minha taquicardia.

A lua cheia.
A rua vazia.

Tudo fazia
uma beleza
tão nua...


Ígor Andrade



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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Relatividades


Gosto de caminhar pela tarde.
Acredito que sinto que sou a metade
de um dia.

Saio por aí descobrindo pleonasmos nas calçadas.

Calor compartilhado
por um exército de vencidos.

O mundo não acaba nunca.
A nuca e o suor
na parada de ônibus.
Poesia agoniada.

Sei de pouco da vida.
Sou o pouco da vida.
E nunca pisei na lua.

Só de maneira imprópria
se fala do futuro.
O muro.
É duro.
O murro.

Que maravilha é não pensar em religiões.
O budismo do meu pai
que não aprendeu a meditar.

O sem-teto da esquina
tem no tato a sua fome.
Barriga sem nome
que ronca na curvatura do espaço-tempo.

A sede do Agreste se traduz num pensamento:
O solo é de quem sabe imaginar presentes.

Sigo por aí
até chegar
num lugar qualquer.


Ígor Andrade

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Pássaros cantando no escuro


Amanhece quando
o tempo não passa.
E tudo parece o de sempre.

Muito do que muda na gente
não muda nada no outro.

Sou um bocejo teimoso
e uma tristeza qualquer.

Sinto fome
e preguiça.
E sinto preguiça
além de tudo.

Ignoro a cama
porque tenho medo de sonhar.
Ignoro a cozinha.
porque acabou o presunto.

Amanhece agora
que ainda sou noite.

Não esqueço de nada.
Nem da vida.


Ígor Andrade

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sábado, 17 de novembro de 2012

O estudo das proteínas


Acordei um poema na tarde de sábado
só pra entender direito que não sei acordar.
Levantei, peguei o café sem manhã e fui ler.
Percebi que sou estranho e estúpido.
Deveria sorrir para janela e brincar com minha cachorra.
Apenas consigo imaginar formas de voltar pra cama.
Ontem esqueci de limpar meu quarto.
Minha coragem atingiu trinta e um anos.
Aliás ontem não fui gente.
Eu e minha enxaqueca temos um caso de amor.
Moro no calor deste dia
e desaprendi a escrever poemas.
Vou ligar para minha mulher agora
e exigir sua presença nesta solidão.
Amar é isso: procurar o outro
antes do outro existir.


Ígor Andrade

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Tinta preta


A noite veio como sempre.
E sempre na veia a noite.

À noite tudo vem.
É simples assim.

Esperamos da vida
uma outra
vida
e nunca percebemos
que nós somos
um outro
morto
toda hora.

Agora
que a noite veio
eu vou
sabe-se lá para aonde.

Somos onde
estamos.
E quem sabe
nunca seremos o que sabemos.


Ígor Andrade

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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Aquilo que subsiste


O que é tudo?

Talvez seja alguém mudo
de vez em quando.

Silêncio...

Durmo no mesmo
sem sair do mesmo.
Acordo no íntimo
de não sonhar que preste.

Agreste nos olhos.
O teto é falso.

Pouca sombra.
Muita sobra.
Me assombro com o peso das paredes.

Meio-dia.
Uma azia.
Nada fazia
sentido.

E a tarde que vem?
Não entendo.
E o entendimento qualquer?
Não vivo.


Ígor Andrade

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