terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O "confort azul" da blusa rosa



À noite, acordo.
A noite acorda.
À noite, a corda.


Uma forca sem acordo.


Céu de hoje
peso morto.
Agora pouco
se foi meu porto.


Navio em mar absorto.


Sinto a tempestade
mas sei que vai passar.
Tudo além de mim
tão perto de todo amar.


Há mar 
em qualquer saudade.


Meu quarto parece maior.
Meu peito parece menor.
O segredo da vida é a ansiedade
- controlada.


Hoje cedo, antes da noite
e antes de mais nada
caminhei na mesma calçada.
(E eu preciso entender melhor as esquinas.)


À noite, acordo.
À noite, desperto. 
Longe mesmo só a porta
branca, gelada e torta.
A porta é arte que tenho perto.


Tudo certo
se a janela não está morta.


A noite em Marte.
A noite é morte.
À noite, todo forte
é outra parte.


Um prato à la carte
entre a digestão do tempo
e o segundo antes do infarte.




Ígor Andrade

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Antes e cirurgia



Dia estranho.
O dia me estranha.
Estranho o dia.


Agonia.
Ia 
tudo bem 
até que...


Dia estranho.


Lacunas, carências, privações, vacuidades, deficiências, tristezas, frio.


Acabo por admirar o dia
que parece sufocante.


Sufoco antes de anoitecer.
Todo dia.
É isso! 


(Hoje não quero falar com ninguém
até que eu perceba que ninguém
também sou eu. Talvez hoje eu 
não queira nem falar comigo mesmo.)


Ígor Andrade

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sábado, 25 de fevereiro de 2012

O estômago do tempo



Para o amigo Raphael Pousa.


Ontem
lendo o seu livro
bebi as cervejas que sobraram do carnaval.
Hoje não acordei mal.


Acordei bem
e isso é raridade.
Acordei com fome
com a mesma (e outra) fome
de sempre.


Levantei o corpo para acordar a alma
na janela - alimento do poeta míope.
Batizei tantos horizontes quando pude contar.
Todos eles têm nomes de poemas que ainda não escrevi...


Hoje é um daqueles dias em que procuro entender melhor o fenômeno da interceptação. Uma pausa no curso de minha existência para entender a existência do outro sem pausa. Um outro que admiro. E acabo percebendo que me entendo mais neste processo "dantesco".


A ofensiva e o avanço.
A ausência e o toque.
O verso e o silêncio.
O engajamento e a mudança.
A vigilância e a concentração.


Qualquer coisa qualquer coisa qualquer coisa qualquer...


O mundo dos poetas
é a percepção antes do reconhecimento.
É o esquecimento antes da denominação.
Vivemos na natureza da resistência infinita.
Morreremos em cada verso 
e ainda sim viveremos para sempre.


Só hoje percebi que meu objetivo nunca foi vencer.
Meu objetivo não é vencer, é passar pelo tempo.
Apenas e tão somente só.
É ultrapassar meus sentidos
todos eles
e sentir que no além daqui
fiquei.



Ontem
lendo o seu livro
bebi as cervejas que sobraram do carnaval.
E hoje não acordei mal.


Você é um grande amigo
que ainda desconheço.




Ígor Andrade

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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Misturei o fim da tarde com a lembrança da noite


Pássaro alheio
canta num meio
árvore do anseio
e no vôo vivi.

Pássaro alheio
nem bonito nem feio
se equilibra no esteio
e no seio dormi.


Ígor Andrade

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RAFAELA



Nesta noite
permito-me pensar em ti 
mulher
de outra forma.


Teu nome é um peso
que carrego ileso
neste caminho coeso
sem nó e norma.




Ígor Andrade

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Deve ser tudo dela



De quem é
essa sexta
que eu pinto em aquarela?


De quem é 
esta tarde
que um dia já foi bela?


De quem é
tudo quanto
antes da banana frita com canela?


De quem é
meu caminho na calçada
antes de avistar a capela?


De quem é
minha poesia
na saudade da janela?


De quem é
meu juízo
quando quero Rafaela?




Ígor Andrade

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

É inefável e é tudo nosso



A ponta da cama aponta pro ponto da noite, e no infinito das reticências se perde. Eu me perco em cada lembrança das gotas de suor, e o pior, é que nunca vou esquecer. O banho lava alma, mas não acalma ninguém. Existe alguém em outro chuveiro. Existe uma fonte no além. Tenho calma em algum paraíso. Se não for isso um inferno serei. A madrugada passa quietinha no sorriso que não é meu. O chuvisco fala baixinho no vento que não me pertence. E as paredes do meu quarto desfilam um branco ensurdecedor. Antes o que era dor virou propósito, e a propósito, eu não estou aqui. É de propósito que fujo para o outro lado da cidade. É lá que me prometeram paz. Tudo que se desfaz num minuto dura uma eternidade na mão do poeta. Tenho o que preciso para não ser mais um motivo de vergonha para família. Tenho tudo para não impressionar ninguém. Tenho folhas em branco e canetas maduras. Me amargura querer outro mundo sem ter café nessas horas.




Ígor Andrade

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Olho direito



Os olhos nasceram 
na madrugada
enquanto o desejo 
dormia no peito.


Sujeito
que não amanhece
antes de sonhar 
qualquer coisa.


Enxergo tudo 
pela metade
porque assim entendo 
o inteiro.


Ponteiro 
que pára na hora
vai embora
mas eu fico aqui. 


Há o dia de estar
e há o dia de partir.


Hoje ter um infarto no miocárdio
me parece algo opcional.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Confraria dos trouxas


Hoje, como convidado da querida Carina, escrevi aqui na Confraria dos trouxas.


Abraços!

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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pesadelo por um triz



Quase te matei.
Quase você morreu.
Quase que a noite se perdeu 
na minha cama.
Quase como uma pancada de espanto
te espantei para todo o sempre.
Quase tudo isso.
Quase ofegante.
Quase tudo antes.
Quase nada 
é tudo o que temos.




Ígor Andrade

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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Alpha Centauri (na voz dela)


Meu poema na voz de Paola Perazza.




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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Meu olho esquerdo


Se sou mau ou bom sujeito, grande ou pequeno, forte ou fraco, o tempo dirá. Assim como não dirá o que quero muito saber. O tempo escreve um poema calado na sala vazia dos esquecimentos. E eu preciso parar com essa coisa toda de tempo. É sério; ele nem lembra de mim. Me sinto um palerma quando me analiso, mas hoje tudo está misturado demais, e transparente demais, tudo ao mesmo tempo. E olha eu falando de tempo outra vez. Parei. Mas continuo. Não preciso esperar pela passagem do tempo para perceber que a denominação de sujeito é injusta e absurda sem a denominação de predicados. Esqueci de predicar a precisão, e já me sinto esperto novamente. A nova mente é a mesma da antiga, mas atualizada de si mesmo. O sujeito é sem jeito quando tenta parecer humano. Ser humano é epistemologia de outro mundo. Esqueci do nome do meu planeta. Sou um lerdo que pode ficar cego. Parti do interior pro exterior num minuto. Eu posso não mudar muita coisa nesta noite, mas mudo o amanhecer sem querer. Até mais tarde alguém vai se encontrar nessas palavras...


Ígor Andrade

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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Amazia



Lua cheia
é sinônimo
de boca vazia.




Ígor Andrade

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Geografia geral



Os braços da madrugada
abraçam o vazio da fome.
Hoje não tenho nome
e minha sede não tem lei.


Eu sei
que as vestes do tempo também se desgastam
e que a pele das sombras não sentem calor.


Me digam o que não posso fazer
em minhas palavras
e eu apresento à todos
a boca da mudez dos versos.


Suspeito que longe daqui
um coração cansado
já desistiu de tudo
e bate lentamente
no vácuo de suas vaidades.




Ígor Andrade

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A tarde de sexta



A tarde de sexta
parece a noite de sábado.
E eu sempre me sentindo madrugada de domingo...


Caminho por este mundo redondo
que me deixa quadrado
na cegueira de tantos ângulos.


É tarde, e nesta tarde me sinto cedo.
Cedo este poema para a eternidade.
Eterna idade aquela que eu tinha
quando guerreava com meus bonecos de soldado.
Enfim, minha guerra continua.
As palavras são as armas de hoje.


Disparo o olhar
que é tudo que tenho
sem atingir uma alma sequer.


Aprendi a olhar sem os olhos
assim como aprendi a voar com as mãos.


Minha vida cheia de pausas
e extremidades.
Entre a caminhada sob este sol
e a vontade de voltar pra casa só 
escrever é tudo que tenho.


O bar em frente ao banco 
celebra o encontro
toda sexta, de senhores velhos amigos.
E eu me pergunto: 
" - Até quando tanto sofrimento?"
Me irrito por pouco
e todo pouco no fim
será o muito que tenho.


Sempre serei um homem de poucos amigos.
Sempre serei um homem de amigos poucos.


As garotas da lanchonete da esquina arrumam as mesas e cadeiras na calçada.
Nunca comi uma pizza de lá.


Observo demais e absorvo de menos.
Absorto e demasiado é o tempo que penso não ter.


Ontem conversei com uma amiga
sobre a percepção.
Hoje percebo uma amiga 
que conversa sobre o agora.
A confusão sou eu.
Não posso falar do amanhã 
se o ontem ainda existe.


Um carro bateu numa moto.
Não teve nenhum morto.
O sinal quebrou
e o povo não tem paciência.


A ciência do meu caos é o que ninguém explica!


Meu imediatismo de hoje diz que devo
perseguir o traço
e escrever pro cansaço.
Não desejo esquecer o pouco que tenho
e hoje, a tarde de sexta é tão minha que não consigo explicar.




Ígor Andrade

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