sábado, 28 de abril de 2012

O peso do carvalho



Adormece a língua da noite
na viagem do quarto escuro.
Se dissolve o tempo nas paredes.
O vinho, a água e o ar puro.
O porto seguro.
E um fantasma caminha na rua.
Tropeça na mesma calçada a úlcera crua.
Vida que segue seu curso.
A madrugada latina diferente dum poema russo.
As vírgulas se evaporam.
Enquanto pontos endurecem.
O silêncio existe.
O silêncio acontece.
Lembro de escrever o que você esquece.
E o sono não chega.
E o cão não dorme.
O vento venta um verso uniforme.
Meu relógio é uma pedra.
Meu filho não se chamará Pedro.
Antes era tarde.
Depois vai ser cedo.
Todo mundo tem coragem
mas só eu tenho medo.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

A diária origem da linguagem



Todo dia tenho de ouvir de mim mesmo que sou uma criatura que se cobra demais. Eu quero criar mais do que respiro. Quando crio pouco não admiro, o que é admirável no mundo. Criar, seja lá o que for, é minha salvação. A cruz que carrego na vida. Talvez até a cobrança eterna do que nem sei. Uma andança interminável. Uma dança difícil de acompanhar. Eu me cobro muito. Eu me cobro mudo, e quase sempre é por não ter dinheiro, e só por isso me sinto mais vazio do que de costume. Tem algo muito errado nesse entendimento, e só estou falando de dinheiro porque hoje descobri que minha mãe precisa fazer uma cirurgia. Haja cifrão pra cuidar de um joelho sem coração. Uma fratura do platô tibial lateral, uma lesão condral, um discreto derrame articular, uma condropatia patelar grau III, um pequeno cisto de Baker e um edema difuso do tecido subcutâneo: eis a conclusão da ressonância. Ignorância: eis a conclusão da minha incompetência. Eu me sinto estranho quando falo muito; ridículo quando me calo; grosseiro quando respondo; enganador quando tenho uma idéia; e preguiçoso demais quando tenho sono. Eu me sinto egoísta agora só porque escrevi esta bobagem. Parece que a melhor idade de qualquer ser humano é aquela em que os joelhos funcionam bem. Parece que quanto mais falo do outro mais penso em mim. Ando preocupado com tanta coisa que nem sei mais como me cuidar. Minha imunidade caiu. Minha humanidade adormeceu. Minha utilidade sumiu. Minha realidade desapareceu. Hoje sofro com a inanição da palavra, e isso dói.




Ígor Andrade

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quinta-feira, 19 de abril de 2012

É melhor merecer


Nunca fui senão
um sim ou um não
do sempre ser.


Ígor Andrade

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É na madrugada


É na madrugada
que minha suposta alma
busca um fim.
Busca em mim
a própria madrugada.

É na madrugada
- nesta perecível cadência dos mortais
todos eles iguais,
e na beleza do silêncio
dos pássaros dormentes...
que ouço vozes.

É na madrugada
que toda poesia
me nutre
da vida que vi no dia
da vida que eu não tenho.

É na madrugada
que equilibro a balança
da temperança da fome
e da esperança da sede.

É na madrugada
que ignoro os malditos
e decepciono os acéfalos.

É na madrugada que sinto saudade
da biblioteca do colégio odiado
do jogo de bola sem vaidade
e do quintal dos meus avós.

É na madrugada
que me encontro
mesmo que perdido
em mim mesmo.

É na madrugada
que me exijo ao máximo:
Entender mais a pequena família.
Perceber mais os poucos amigos.
Amar mais a melhor mulher.

(... Rafaela
que sem ela
minha janela
perde a graça...)

É na madrugada
que a vida se disfarça
de outra vida.

É na madrugada
que entre um gole e outro de café
escrevo muito
para os poucos
que me lêem.


Ígor Andrade

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terça-feira, 17 de abril de 2012

E o poeta nem sabe rezar



Tudo em mim
é um tipo de prece.
Alicerce 
de folhas em branco.
Tudo pronto 
para crescer.


Antes de ser
o que nem sou,
vou para onde não fui.
Tudo que é calma
evolui
no vazio do tempo.


Tudo em mim
é um tipo de oração
no sentido mais completo
e despreocupado
do juízo.


Antes de ter
o que não tenho,
aceito o prejuízo
e tento decifrar qualquer paz.


Aqui jaz 
um sujeito
com predicados
e sem joelhos.




Ígor Andrade

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domingo, 15 de abril de 2012

Duro de matar



Não é a dívida.
Não é a dúvida.
Nem a dádiva.
É o fim do sábado 
e o começo do domingo.
Sei lá!
Hoje pode ser dia do idealismo.
Ou deve ser o alcoolismo.
Ou o pessimismo.
E eu preciso de ajuda.
É sério!
Na Síria 
deve ser do mesmo jeito.
Um sujeito qualquer bebe
pra esquecer da vida
e se lembra que a morte existe.
Mas que desgraça é essa?
A gente senta no banco da praça
e logo a vida passa.
Não é a dívida.
Não é a dúvida.
Nem a dádiva.
É o fim do sábado 
e o começo do domingo.
Sei lá!




Ígor Andrade

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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Clínica Boghos Boyadjian



Sexta-feira treze.
Doze cadeiras que eu contei.
Onze senhoras entrevadas.
Dez minutos de cara pro teto.
Nove mensagens no celular.
Oito horas da manhã.
Sete páginas lidas, de Bocage.
Seis passos até o banheiro.
Cinco reais no meu bolso.
Quatro segundos e um poema nasce.
Três reais de estacionamento.
Dois reais de troco.
Uma mulher pra eu cuidar.




Ígor Andrade

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Nunc et in hora mortis nostrae



Bendito sois vós
entre as colheres
e pratos vazios.


Bendito é o fruto
das sementes dormentes
que nada sabem.


Hoje uma oração
tenta me salvar
de não sei o quê.


Hoje sobra sono e fome
no meio dia que antecipo.


Ave Maria, cheia de graça,
teu nome é Rejane.
Agora e na hora de nossa morte.
Deixe que cuido de ti.


Amém!


(Amem 
suas mães, 
meu povo!)




Ígor Andrade

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Ressonância maldita



O dia começa
e eu só quero dormir.
O dia começa
e estou longe daqui.


O dia começa
e me sinto meio...
O dia começa.
O dia começa feio.


O dia começa
e não vejo graça.
O dia começa
e minha cama disfarça.


O dia começa
nesse eterno ruminar.
O dia começa
e eu só quero terminar.




Ígor Andrade

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Exército de um poeta só



Acordo querendo matar meus inimigos.
Os amigos foram dormir e desapareceram.
Clarão medonho. Calor medonho.
O medo é alimento pro demônios.
O deus do fanatismo ou da impostura não me agrada.
Acho que nenhum deus me agrada.
Não entendo a química das minhas mãos geladas.
Tenho tudo e não tenho nada.
A tarde merece minha solidão.
Salvação não existe.
O outro me olha de cima.
Eu no chão quero sangue.
O aonde se confunde com o ainda.
Agoraeusintotudoaomesmotempo.
Nunca vou ser um homem barato.
Tomo banho mas não troco minha poesia.
O dia vai devorar os fracos.
Em mim quase imortal a essência humana.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 11 de abril de 2012

A favor das janelas



Não aceito as coisas
como são.
Não aceito as coisas
como sou.
As coisas soam
o que não aceito.
Aceito as coisas
com suor.


Muito além de qualquer sentido de existência
eu vejo a acepção da palavra.
O asseio do tempo que ninguém entende.


Investigo tudo que sinto
e sempre me sinto
um animal selvagem.


Já não se fazem mais madrugadas no pântano como antigamente...


Tudo seco.
Tudo cego.
Tudo ego.


"Egossistema" de um ambiente sem seres vivos!


O mais é nada.
Do nada vim.
Pro nada vou.


Não me admito pensar menos
do que posso.
Não me admito pensar mais
do que não imagino.


Eu passo.
Eu posso.
No ócio do osso
o negócio.


Me sinto profundo e insosso.


Todo fosso é um delírio analfabeto do medo.
Todo medo é a consciência da vida letrada.
Toda vida é erudita em silêncios.


Todo o meu silêncio de hoje
é uma confusão de noites
em que não durmo em paz.




Ígor Andrade

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