sábado, 31 de dezembro de 2011

Prefiro meu quarto



Último dia do ano
para alguns.



(Pouco me importa calendários.
Não ligo para medidas.
Não ligo para datas.
Pouco me interessa esse contágio de comemorações.
Me interessou ontem a breve alegria 
do empacotador surdo-mudo
de um supermercado aqui perto.
Ganhou um real da minha mãe.
...
Tem algo muito errado no sinônimo de sociedade.)



Não quero planejar coisa alguma.
A planta do "propósito divino" deveria bastar como análise.
E vocês realmente não ligam pra isso.


Prefiro viver esta tarde no sossego de minha brisa
concisa e imprecisa.
Ainda consigo ouvir o canto dos pássaros.


Este povo é surdo
e planeja demais, por isso se frustra.
Fazem planos os que não são plenos.


Pianos pesados que não tocam os corações!


Em panos quentes caminha a humanidade 
vencida...


O dia está cinza
- nublado como meu ser.
Eu preciso merecer minha xícara de café.
Eis minha real preocupação de hoje. 


Leio meus livros
e escrevo minhas bobagens.
Mais idiota que eu
só os que soltam fogos de artifício
e que tanto perturbam meu precioso silêncio.


Suntuosa véspera do ano-novo.
Algumas ignorâncias jamais mudarão.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Resistência



Antes do fim do dia
- um pouco depois de acordar -
tudo é espanto.
Hoje na gruta das vaidades
o grito é um pranto.
Prato pronto 
de quem se acostumou com sofrimento.
A agonia é a poeira do dia
que inspira o espirro.
Mundo sujo!
Não posso me perder
sobretudo em mim.
Sou o que tenho
em unicidade catastrófica.
Permaneço entre o meu nascimento e a morte.
Meu norte é qualquer lugar.




Ígor Andrade

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sábado, 24 de dezembro de 2011

Desilusão



Há um frio no meu verão!
Suor e lágrima conspiram guerra.
Do ventre de alguma mãe perdida
até o cérebro de algum maldito
ódio e destruição ganham o caminho.


Ao longo tudo que é juízo é curto.


Desperto meu corpo numa quimera
que me era sono
e agora é um fim







l.




Ígor Andrade

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Gray 2



Chove
lá fora.
Aqui dentro.




Ígor Andrade

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domingo, 18 de dezembro de 2011

Não quero sentido



Não sei onde começa minha poesia e termina o domingo. Também pouca importa. Preciso caminhar na rua e tentar encontrar uma vida que não seja a minha. Porque eu sou um cão vadio. Urino em cada poste de cada esquina de cada rua de cada eu. Espio qualquer horizonte com atrevimento. Onde quer que esteja um verso perdido eu hei de encontrar. E hei também de esquecer os conflitos domésticos dos meus vizinhos. Pai que bate na filha, marido que bate na mulher. A ignorância humana se resume a um cargo de juiz. Mais lamentável ainda é um poeta o julgar. E por falar em homens, por que não falar em pássaros? Um pombo aprendeu a atravessar a rua porque o céu estava meio atravessado. Ponto. Monto um quebra-cabeça por hora. O que tenho agora é a rua do domingo e eu. E a senhora com bobes na cabeça, passeando com seu yorshire, que parece ter mais coragem de morder do que qualquer valentão que conheço. Passo em frente a um edifício chamado de "amor perfeito". Talvez o idealizador do projeto, engenheiro e arquiteto tenha sido Khalil Gibran. É, talvez eu não fizesse melhor. Mas pelo menos carrego comigo um pacote de bolachas e uma garrafa d'água. Preservo minha amizade com mendigos do meu bairro. Hoje conversei com João que era professor de português, e perdeu tudo pro alcoolismo. E assim caminha a humanidade, enquanto eu e João conversamos sentados na calçada quente. Mente quem diz que inventou alguma coisa. Quem inventou a psicologia foi João. Sem mais. Mas será que todo mundo já não era psicanalista antes de Freud, ou marxista antes de Marx, ou evolucionista antes de Darwin? Será? Serei lembrança de qualquer forma. E do outro lado do mundo um labrador chamado Thor uiva uma tempestade. E entre os ventos eu não sei ainda onde começa meu domingo e termina minha poesia.




Ígor Andrade

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sábado, 17 de dezembro de 2011

Varanda



Olho o povo
lá embaixo
bebendo e gritando
e mostrando os dentes
e não sei sinceramente
quanto de mim ainda aguenta
não enxergar uma calçada vazia.


Houve um dia
que também sorri e bebi
e caí no meio da rua.


Hoje um idiota
olha pro sábado
e não sabe se tem fim.




Ígor Andrade

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Simples assim



Se a pessoa não me traz paz
me faz
guerra.




Ígor Andrade

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Mais nada



O sábado não sabe de mim.
Ou sabe e se faz de doido.


Acordo
com a corda no pescoço.
Sufoco
no calor do dia
e na distância da noite.


Não consigo ser mais o que era antes.
Também nada do que era antes é a mesma coisa.
Só um estúpido como eu não percebe quando tudo está se perdendo.


Acordo depois do almoço
sem fome.
Não sei o quero hoje da vida
nem pro meu estômago.


Sou céu e inferno ao abrir os olhos...


O que querem de mim, os outros?
O que querem os outros, de mim?
O que eu não quero, de ninguém?


Me consolo na ilusão de que alguma mulher me espera em sua cama.


Me desconsidero ao pensar que alguém se importa ainda
com alguma coisa que eu queira dizer.


Hoje levantei meio desorientado
e quero tão somente anoitecer.
Mais nada.




Ígor Andrade

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Tipo o quê?



Existir e encontrar
algo que valha a pena.


Um objeto ou coisa que serve 
ou se usa para produzir outro 
igual ou semelhante.


Um ego e um eco
na última prateleira da estante.
Instante da criação.


Tipo semente.
Tipo tu ou eu.
Tipo o que alguém esqueceu.


Ou tipo nós.


Tipo o laço.
Tipo o cansaço
da madrugada.


Tipo tudo.
Tipo nada.


Tipo a palavra amada.


Para cada tipo de algo
eu vejo uma nova percepção.


Percebo os tipos de sujeitos
antes de perceber predicados.


Existir e encontrar
algo que não seja poesia
é muito difícil pra mim.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A praia perto (Natal, sexta-feira, 02/12/11)



Aqui de frente pro mar
e de costas pro mundo.


(E antes que um imundo
me venha com um trocadilho barato,
indico cerveja barata
e talvez Freud
e talvez cocaína,
porque sou um imbecil
que fala do que não conhece...)


Aqui nesta varanda
compreendo os anos
que estão por vir.


As ondas
vêm
e vão...


Um casal no calçadão
finge esquecer do mundo 
(também).
O mundo finge esquecer
de nós.


O abismo entre ser
conhecedor
de alguma dor
e não conhecer
dor alguma.


A cor da noite
que lembra o lar.


O mar.
Amar.
Qualquer nós.


Mais uma cerveja
porque minha casa
é onde escrevo.




Ígor Andrade

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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Lágrima


Um dia 
que se resume em tristeza
também tem beleza.




Ígor Andrade

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

De Fortaleza pra Natal (sexta-feira, 02/12/11)



Saio de casa nesta manhã
sem amanhã

e cheio de ontem.

Calculo quinhentos e tantos quilômetros
que passarei tentando imaginar
um processo de cura nesta viagem.

Cura de não sei o quê
numa distância de não sei pra onde.

Passo horas
numa estrada interminável
num calor miserável
e sinto medo do horizonte.

Sou pequeno demais...

Esqueço
por uns momentos
da minha tacofobia
mas a acrofobia não me deixa.


Hosana nas alturas!
E não me interessa o significado disso.


Eu sabia que ia ser difícil sair de casa
e também sabia que deveria me enfrentar menos.
Qualquer mais é um perigo
pra quem não sabe determinar valor.


Animais mortos na estrada.
E eu não sei o que é viver!


O homem e a estrada
sem fim.
O homem e a estrada
sem mim.
O homem e a estrada
enfim.


Quase posso tocar o céu
em algum momento.


Meus olhos são minha poesia.
Palavra quente e fria 
que ainda vai me matar.


Quantos buracos são necessários
para preencher o meu vazio na estrada?


Quantos vazios são necessários
para preencher um buraco da estrada?


Estou só o pó.


E antes de Mossoró
tenho um nó 
na garganta.


Lampião sorri no inferno.


Cidade aberta
alerta atenta
artéria aorta
transporta a carcaça morta
de um homem cansado.


Tráfego...


Circulo perdido em mim.


(Por algum motivo
lembro da música "Strawberry Fields Forever"
lembro de Lennon
e lembro dos meus cães.
A saudade de casa é uma ansiedade sem cura.
Dura por uma vida inteira de milionésimos de segundos.)


Horas de viagem
e caminhões.
Horas de viagem
e nascimentos.
Horas de viagem
e eu não chego nunca.


Agora entendo o surrealismo de Salvador Dali,
o grande salto da humanidade
e o deslocamento desnecessário.


O mato seco
seca a vista.


Pedras pedras pedras.


Sou uma pedra que nem saiu de casa ainda...






Ígor Andrade

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