quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O cão em mim


Os primeiros passos de um bocejo atrevido vêm com o silêncio branco de um quarto escuro. Antes de dormir, duas cervejas e uma lembrança: meu cão morreu. Parece que estou parado numa dor que dói mais quando todo mundo dorme. Estou sozinho olhando fotos de quando meu pequeno companheiro era filhote. Preciso mudar de juízo. Crescer ainda que sinta o decréscimo. O último osso foi ótimo, enquanto o átimo é boca seca. Átomo que se vai... Mudo de posição para sonhar maior. Quando sonho menor, tenho pesadelos; acordo assombrado e com fome. Levanto pra comer algo doce e me arrependo depois. Meu cão tinha doze anos e eu tenho trinta e um. Atravesso a madrugada como se tudo fosse olho. Me enxergo nas quietudes. Muito embora a escrita me acelere. Quero correr, quero pular, quero morrer. E quero morar na praia. A cidade me mata. Minha família precisa de mim, vivo. Vivo, em alguma vida, alheia. Sinto falta do meu animal. Coisa feia é esconder saudade. Ele era mais do que Jesus, pra mim. E o maior pecado é a distância. A morte separa pra sempre. Tudo vira pó(esia). A cruz de hoje é o prato cru do empanturrado. Fastio e mãos suadas. Transpira minha caneta velha. Sou um velho antes da velhice. (Quem me ensinou a escrever?) Cuido do verso para ele me educar. (Cadê Deus?) Em algum momento desta noite devo me sentir um sujeito melhor. Evolucionista mesmo é o sono.


Ígor Andrade

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2 comentários:

Marcelino disse...

A cada dia escrevendo melhor, hein, Igor? Revejo postagens anteriores, observo estas atuais e percebo uma evolução, um progresso muito rico na arte de escrever. Vejam-se, por exemplo, esses astutos jogos de linguagem (crescer/decréscimo; ótimo/ átimo/ átomo) que vêm frequentando mais teus textos. Coisa de quem já escreveu muito e, em algum dado momento, de tanto utilizá-las, as palavras começam a tomar corpo, e fazer do corpo, mãos e cérebro do poeta veículos de expressão automática.

Anônimo disse...

Reaja, mano. Reaja!

Abraços com carinho <3