domingo, 12 de setembro de 2010

Hórus

Todo instante
que é
eu sou.

Tento agora
esvaziar minha cabeça
(enquanto minha vida
parece vazia).
Estou na sala de espera
a consulta está demorando
eu estou demorando
a minha existência está demorando.

Tanto instante por aí
que não é...

Como esvaziar a mente?
Como esvaziar a palavra?
Há tanto a ser dito
e eu prefiro escrever.
Digo assim em folhas
brancas e secas
um poema que é árvore
no meio do nada.

Por que tudo que tem de ser dito
é tão difícil?
Fui acostumado a não dizer.
Fui acostumado a me acostumar
com o não dizer.
Só que hoje digo
por libertação.

A palavra é liberdade presa
e minha mente não vai esvaziar nunca.

A voz de cada pessoa
nesta fria clínica
me incomoda.
O ar também frio
condicionado
me incomoda.
Esperar me incomoda.

Sou e estou inquieto.
Estado de alma
às vezes torto
às vezes reto.

Olho a atendente
olhos claros
azuis como o fundo do mar
(e eu nunca estive no fundo do mar)
azuis como o céu no fim de tarde
(e eu já estive em muito fim de tarde).
Não a invejo
a admiro
e sinto agora saudade
do meu amor.
Vejo o mundo com os olhos dela
às vezes.

Sinto a saudade
sinto a espera
e pareço não estar aqui.
Preciso de novos olhos
de novo o olho
e olho dentro
o que existe fora.

Todo instante
é tempo demais
e sou a espera hoje
do que não acaba
nunca.



Ígor Andrade

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2 comentários:

Unknown disse...

Maravilhosamente minucioso. Me senti infiltrada no cenário que voce criou. Pude sentir cada emoção descrita. Parábésns, você é ótimo. Um exemplo para mim, tenho muito a apreder com você.

Hugo de Oliveira disse...

Bom texto amigo.

abraços