quinta-feira, 19 de maio de 2011

Releio-me

Com quase trinta
e quase nada
sinto que tenho
um quase tudo.

O mundo
faz mais sentido
quando mudo.

Tudo
está em mim.

Muito embora
o povo lá fora
se mate,
eu posso enxergar
muita vida antes do fim.

Antes de mim
também era assim.

Os olhos só vêem
o que o homem não sente.
É incrível constatar isso.

Ou nasci no tempo errado
ou no planeta errado.
Algo do tipo.

Mas preciso falar de outra coisa.
Eu preciso falar de outra causa.
De outra casa
que não a minha.

Eu preciso falar
que escrever é minha vida.
E que me sinto um egoísta medonho
quando vejo crianças com fome,
ou gente doente.

Eu não faço nada
ou faço muito pouco
pelos outros.
Isso é tão triste!

Enquanto tudo por aí
se cega no fundamentalismo
e na ignorância,
eu continuo perdendo tempo
com minhas bobeiras.

Passo horas estudando sobre a insulina
e tanta gente morre sem o mínimo de nutrição.

Passo um tempo estudando sobre o ciclo de Krebs
depois de um porre desnecessário
e um pequeno africano não vê água por dias.

Tem algo muito errado
com todo mundo.
A gente despreza a evolução
com ego e vaidade.
A ganância é a ilusão do homem pequeno.
Não sou moralista; sou amoral,
mas a humanidade caminha
com as pernas alheias
porque desaprendeu a saltar.

Com quase trinta
e quase nada
sinto que tenho
um quase tudo.

Um quase tudo
que quase ninguém tem.
Se estou feliz?
Claro que não.
Mas a função do poeta
é entender e retirar da tristeza
o que ainda existe de belo.



Ígor Andrade

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