domingo, 30 de outubro de 2011

Antes que o domingo acabe

Para o amigo-irmão Victor Ramos.

Antes que o domingo acabe
reconheço um amigo
na vida que nunca tive.

Não é a raiva pela humanidade
nem o silêncio que se faz
nas horas mais longas
que me desanima tanto.

Me desanima não ter outros amigos como você.

Prontos para matar e morrer
seguimos nessa vida
como os combatentes na guerra.

O lado forte em qualquer batalha
sempre será a irmandade.

O velho te saúda
antes que o domingo acabe.

(O amigo de verdade é uma ave
que não tem medo de céu algum.)



Ígor Andrade

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Desejos

Pinto o domingo
como quem pinga
dormindo.



Ígor Andrade

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Domingo 05:25

Há muito que procuro o significado de ser
sendo eu mesmo o único poema em que me escrevo.

Ruas vazias ao amanhecer
enquanto o tempo passa
e eu despercebido
na ausência do silêncio
aqui dentro.

Nunca encontrei ressonância alguma
no cheiro de terra molhada
e nessa espera do calor subir.

Às vezes me vejo como uma calçada
cinza e com fendas que vão daqui ao Japão.
Procuro pés que pisem em mim com cuidado
suave como o caminhar de um rinoceronte...

O mormaço da alma
de certo é a perda de memória.
Incomoda os imbecis.

Muitos por aí falam de dor
mas não a carregam como eu.
Muitos bebem, fazem sexo ou se masturbam
e esquecem que vão morrer.
A morte é uma constante absurda
na minha fatídica existência.

(Pelo menos eu existo
ou logo penso...
Vai saber!)

Muitos por aí
vivem por acolá
enquanto eu
procuro meu aqui.

Acho que o sentido de qualquer vida
é esgotar os horizontes
tomando café
e lembrando da noite
que não tivemos.

A vida deve ser apenas um domingo
em que vou dormir sem hora pra acordar.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Entreouvir

Inferno
ou inverno.
Sou sempre interno.



Ígor Andrade

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Escrevo

Escrevo sozinho na noite.
Escrevo na noite sozinho.
Escrevo sozinho pra noite.
Escrevo pra noite sozinho.
Escrevo noite.
Escrevo sozinho.
Escrevo sobre o que é ser sozinho
e escrevo sobre o que é ser noite.
Escrevo
porque não tenho
nem a noite
nem a solidão.
Escrevo.
O que escrevo?
Eu apenas escrevo...



Ígor Andrade

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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Dilui (ou de lua)

Sou o que
de melhor
nunca fui.



Ígor Andrade

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sábado, 22 de outubro de 2011

Dies Saturni

Levanto e saio.
Não, calma, não saio
ainda.

O poema é longo
eu que acordei meio curto.

Sento na cama
com olhos apertados
sem meus óculos.
Leio Bukowski
depois Lennon
tentando acordar.

(Faz tempo que não bebo...)

Uma xícara de café
e preciso sair.

Não, eu não preciso sair
mas quero
talvez precise
eu vou.

Escovo os dentes
com pasta e sangue.
O dia começou.

Dia quente por sinal
e barulhento.
Bato a porta de casa
e as buzinas batem meu juízo.

Uma mulher com uma camisa que mais parecia a bandeira do Vietnã do Sul
quase foi atropelada na minha frente.
(A mim não faria falta!)
Deve ter sido culpa da bandeira.

À caminho da academia
cultivando ódio
logo de manhã cedinho.
É assim que homens imbecis agem...

Eu preciso voltar a treinar boxe.
Socar os caras pensando em alguma ex-namorada
ou em algum amigo traidor.
Sim, o pacifismo foi passear
no inferno.
Me deixem dizer o que penso!

(Eu preciso de inimigos
de mais inimigos
além de mim mesmo.)

Que dia quente!
Minha barba está muito grande!
Essa academia é um forno!

Levanto todos os pesos que posso e não me satisfaço.

Braços fortes
panturilhas fortes
abdômen forte
coração fraco
fraco fraco.

Chega de treino por hoje.
Sinto fome.
Quero voltar pra casa
pra escrever.

Eu preciso de um nome novo
para o silêncio que eu não faço.

Volto no calor absurdo
para almoçar um frango grelhado
e não sei quem o matou.



Ígor Andrade

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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Meio quinta-feira

Numa tarde chuvosa
com meu espírito nublado
pratico a paciência
com semelhantes que não
se parecem comigo.

Numa tarde como esta
não enxergo perigo
muito menos a luxúria
mas sinto pena
de nós
que não somos a tarde.



Ígor Andrade

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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Caráter

O sábio ama
o que ele pensa
não ter.



Ígor Andrade

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Itinerário

O passo seguinte
é o próximo...
passo.



Ígor Andrade

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domingo, 16 de outubro de 2011

Dies solis

E este domingo nublado
que mal passou
e nem passa?

Um homem parado
na janela
disfarça
a vida.

Domingo é isso:
falta de compromisso.

Dia bobo de missa.
O povo pede
pra qualquer deus:
preguiça.

Coragem mesmo pra pensar
só poucos têm...

As aventuras de Robson Crusoé
enfrentando o ócio de Matusalém.

Hoje só a palavra do náufrago me interessa.
Não tenho calma
nem tampouco pressa.

O retrocesso da raça...

Cadê minha compressa?

Meu ombro dói.

E tudo neste domingo foi
cinza
como os corpos carbonizados em Pompéia.

(Vesúvio veste-se de carrasco
e acaba com a graça dos sorrisos levianos.)

Levei décadas para perceber
que domingo é o melhor dia
pelo menos pra mim.

Como um leão banido do bando
procuro sombra e comida
agora sozinho
e não reclamo.

E todo mundo segue seguindo.
É a vida.

Há uma semana atrás
uma data pra se pensar:
dia nove de outubro.
Dia em que nasceu Lennon
e morreu Guevara.
Mas deixa pra lá.
Ninguém sabe do que estou falando.

Viver no desatino da palavra
é o que quero.
E eu só espero
o próximo verso.

Diante de todo absurdo
este domingo está em mim.



Ígor Andrade

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Revista Cultural Novitas

Olha eu aqui:
Revista Cultural N12 – Poesias

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Do meio pro fim

Um quarteirão
outra história.

Saio do prédio
ainda dormindo
o juízo sumindo
tudo meio médio.

Mas vou.

(Vou pra onde?)

A escola vizinha
para crianças com autismo
comemora o capitalismo.

Feliz dia das crianças
sem amanhã!

Esta manhã
deveria ter sido dormida
como se não houvesse hoje.

Ninguém entende que estas crianças
são adultas demais para entender qualquer presente
dado ou vivido
e que estas crianças
são crianças demais para entender qualquer futuro
fadado ou sofrido.

Um senhor passeia
com dois chihuahuas
sem coleira alguma.

Me sinto preso!

Tudo que peço
nessa vida
é um pouco de inspiração.

Acabou o quarteirão.

Um rato morto
na esquina
sou eu.



Ígor Andrade

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domingo, 9 de outubro de 2011

A ponta da lança

As esquinas
são um coletivo
de mim.



Ígor Andrade

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Contristação

O homem do hoje
ainda parte e não chega
à luz dos dias inacabáveis.

A espera nos olhos
dos moribundos largados
devastando horizontes.

Haverá uma glória gritante
no céu de toda uma vida
em algum crepúsculo.



Ígor Andrade

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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Macacos

Para os amigos Adriano Oliveira e Luiz Libório
.

Formas humanas contraditórias.
Sombras de espaços vazios.
Silêncio das mãos postas em oração.
Amanhãs tão distantes quanto a sede do deserto.
Sorrisos falsificados.
Olhares míopes.

O efêmero da vida
permanece na morte.
O homem cria a espada.
A poesia faz o corte.

Sorte
de quem não me lê.

O que vou dizer
depois de tanto falar
da extinção?
Estes são
versos de um homem
que de tão perdido
se encontrou
em seus próprios limites.

Meus amigos,
a vida é o trágico minuto
em que esquecemos
do que fomos.

Somos o que somos
quando não sabemos
o que fazemos.

De quantos suicídios precisamos
para morrermos de fato?

As paredes brancas
sem retrato.

Agonia...

Havia aqui um poema bonito.
Um poema bonito aqui havia.

A vida.

Tudo nessa vida tem nome.
Tudo nessa vida tem fome.

O homem
por exemplo
é um bicho estranho
que batiza o que come.

Quer maluquice maior que esta?

Camaradas,
esqueçamos
o amor fati na essência do infinito
o eterno retorno e a vontade de potência
o super-homem na genealogia da moral.

Isso tudo é invenção
de alguém com a barba mal feita.



Ígor Andrade

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Positivo e meio

Acordei prepositivo.
Andei o dia inteiro
já antes do verbo.



Ígor Andrade

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Positivo email

Amanheço bem
vejo um pouco além
tudo o que eu quiser
de uma forma ou de outra vem.

Zen
sob o calor do dia
instigante
algo raro
e não obstante.

Amanheço bem
sinto saudade
mas não sei de quem.



Ígor Andrade

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domingo, 2 de outubro de 2011

Estou certo disso

Todo poema
fala
de saudade.



Ígor Andrade

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Vagarosa mente

Antes de qualquer coisa
qualquer coisa
que venha depois.



Ígor Andrade

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Saltos-altos vermelhos

Saltos-altos
jogados na calçada.
Onde estão os pés
de minha amada?

Será que um poema como este
tem algum sentido pra vocês?

Porque pra mim
sentido nenhum
tem a vida.

Domingos em que tento
esquecer
que não controlo o tempo
muito menos
os outros.

Nunca é fácil
encontrar
e perder
qualquer amor.



Ígor Andrade

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Ontem bebi

"Beber é algo emocional. Faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual. Arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente e joga contra a parede. Eu tenho a impressão de que beber é uma forma de suicídio onde você é permitido voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas." (Charles Bukowski)


Ontem bebi
o ontem
que hoje não bebo
e hoje mesmo
me sinto mal.

Ontem bebi pouco
acho que foi isso.

Ontem bebi
porque de certa forma
o sábado me pareceu
uma despedida.

Sábado só de ida.
Domingo só de volta.

Hoje eu simplesmente
não fui
e nem vou
pra lugar algum.

Tentar entender
o mal-estar
é o que me resta.

Mal estou
aqui
noite funesta.

Os amigos vêm na minha casa,
trazem cerveja e amendoim
e depois somem.

A ressaca maior
é estar só.



Ígor Andrade

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