quinta-feira, 28 de junho de 2012

Stradivarius



Para o grande amigo Fabio Rocha.


Meu amigo, meu herói, a poesia que separa também constrói. Tendo dito isso, o ácido que corrói o vício ainda é o verso. Inverso destruído por memória, e ninguém entende. Estende o braço pra vida e deixa ela te salvar. O progresso da gente vem no silêncio. Poeta bom é poeta morto, e ainda somos sementes. Se mente, não cresce. Se cresce, não sente. Se sente, não desce... do salto. Tempo alto na madrugada. O homem torto na janela, não está nela, ainda absorto, e mais nada. A alma vazia aquece o vazio. O quente que faz frio, até no deserto, de quem ama. Sou poeta e tenho pouca grana, e quando digo que sou poeta, me olham como um mendigo. Nunca quis esmola. E você? Eu quero é conhecimento, discernimento entre a folha em branco e o caderno fechado. Ponto. Pronto. Pranto. Prato. Escrevo e sinto fome. Qual é o nome de deus? Criatura e criador. A pintura que cria dor. Ninguém sabe de que cor estou falando. A imagem do homem corruptível não nos interessa. Quadrúpede sem pressa. Presa perdida no concreto. Fernando Pessoa foi um cara discreto e morreu do mesmo jeito. Santificado seja o sobrenome de quem vive por muitos, de quem vive como poucos. O santo não sente como eu sinto. Absinto e um brinde a verdadeira amizade. Milagre todo dia acontece. Seres humanos ainda na Idade Média, seja ela qual for. Solstício e equinócio de qualquer escritor. O ócio de quem vive do céu do outro, mesmo quando contempla o solo. O colo da namorada. O sossego da mãe. O papo do pai. O companheirismo do irmão. O violino de Vanessa-Mae. A quinta de Beethoven. As Valquírias de Wagner. E neste exato momento, não sei mais o que dizer.
Escrevo não por ser tão pensante; escrevo por teimosia. Não sei fazer outra coisa que não seja me questionar, neste mundo. Sinceramente achei que você ia querer ler isto.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Duas horas da manhã



Quase um acidente de carro.
Quase um acidente.
Quase.


Um cruzamento e duas pernas tremendo.
Pelo menos falo por mim.
Não sei do outro.
Nunca sei do outro.


Na rua da minha casa
quase um acidente.


Tão perto e tão vivo
e ainda aqui.
Quase um acidente de carro.


Nunca vai importar pra ninguém
se eu estava certo.
O errado também poderia morrer.


O homem cria o carro.
A morte cria o homem.
A vida se cria sozinha.


O que fazer quando se sobrevive?
O que fazem os outros quando nós morremos?


Um sinal verde
um barulho alto de freio 
e trinta e um anos passando
pela calçada.



Quase um acidente de carro.
Quase um acidente.
Quase.


Um copo d'água gelada
e um poema pra amenizar a euforia.
Quase fui, mas minha poesia fica.


Amem ou amém!




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

domingo, 17 de junho de 2012

Um domingo como poucos



Uma verdade sobre os domingos: eles não sentem dor.
O domingo é um lobo solitário e silencioso, que ninguém percebe. Entre o lobo e a lebre, toda a fome de uma evolução. O domingo sim, mas a gente não. A gente é caça mesmo quando caça. A gente é o cão! Solidão é pra quem entende o que é soluçar. Coçar o queixo, de frente pro mar. Sussurrar pelas calçadas a saudade que só você conhece. Esquecer de quem te esquece. Caminhar. Até a esquina. Encontrar a dopamina e depois esbravejar. Velejar com a brisa do fim da tarde. O domingo arde e eu urdo. Absurdo é não me entender. Hoje minha mãe notou que fiz a barba, hoje eu quis crescer: observar e absorver o dia. Quem diria que tudo fosse assim? Limpo! O limo é o lema dos pecadores. Pescadores de ilusão derradeira. Amanhã é segunda-feira e eu não estou nem aí. Eu quero hoje algo pra mim, e desejo algo pra você. O domingo nem dói...




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Pizza e cerveja



Hoje estou longe
e antes
ao mesmo tempo
e não sei 
o que isso significa.
Sei quem fica
quando os outros vão.
Talvez este humilde saber
seja algum conforto.
Perdi meu porto
e afundei meu navio.
Ninguém ouviu
um grito de socorro.
Aquela impressão de que
"se não mato eu morro"
nunca me foi tão nítida.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Confissões 1



Para Santo Agostinho.


Os anos passam como sempre.
Só que tudo diferente.
Caminho com a mente 
no agora
e não minto pra hora
sobre o tempo.


Sobra tempo
e sobra fome.
Falta um nome
pra minha dor.


Vou fazer jejum de poesia
e quem sabe eu durmo um pouco.
O louco dorme pra não acordar 
porque os olhos não abrem.
O entendimento da cegueira
ainda que eterno.
O ser humano é um inverno 
silencioso.
Sonho.


É muito enfadonho 
não entender o céu.
Medo medonho 
de não crescer.
Adoecer 
enquanto criança
e morrer 
como um adulto patético.
Como não pensar nisso tudo?


Como não passar pelo dia de hoje
e não pensar no incansável?


E o que dizer sobre o invencível?


A inércia de um santo.
Canto "do alto de um vale"
que nada vale
pra quem não tem fé.


O ócio de um poeta.
Carrega no peito uma seta
que aponta pro inexistente.


A pobreza e a beleza.
Rico é quem nunca se olhou no espelho.


A sabedoria e a preguiça.
Agora sei que a preguiça é um prego sem cobiça
e sem cabimento.
Cabe em qualquer (pre)juízo um martelo
sem premissa
pra quem tem sofrimento.


Não vejo Deus no universo.
E nem vejo o universo em Deus.


Unir o verso na elegância da retórica
e admirar o desnecessário.
A verdade nunca existiu.
Engano a inteligência
que eu não tenho
com minha miopia de outra vida.


Na curvatura da madrugada...
o que entender sobre a existência?


Minha maior penitência
é entender os que não me entendem.



Os anos passam como sempre.
Só que tudo diferente.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

terça-feira, 12 de junho de 2012

Bocejo infinito



A noite dentro
de uma pessoa toda.
Rua vazia interditada.
Silêncio dos postes.
Calçada amiga.
Estrela dentro da barriga.
Ressaca sem beber.
Temer o tremor.
Entender o amor.
Viver hoje.
Tocar o céu
do impossível.
Inteligível poesia.
Inteligente leitor.
A dor de quem perdeu um filho
e ganhou outro em seguida.
A partida da cor.
Calor nos ossos.
Passo, penso e posso.
Sou grande
e pequeno. 
Terreno plano.
Terra plena.
Muita alma nessa calma.
A cama me chama.
Hora de sonhar.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Segunda-feira



A academia, o banco, a casa lotérica, o supermercado e a clínica de fisioterapia. Todo mundo parece odiar todo mundo. O mundo não é esse todo. Só a moça que passa o rodo no chão que distribui sorrisos. Não que eu goste de todo mundo, porque sinto ódio também, mas tem algo muito errado aqui. Aqui, onde vivemos. Logo ali, nunca pensamos. Muito embora o normal é trocar o presente pelo futuro. O carro bate no muro. No escuro eu penso melhor. Ando muito cansado, estou só o pó. A poeira dos dias quer nos transformar em móveis. Seres humanos, mobília do lado de fora da casa. O pássaro quebra a asa. A vida é rasa. Não, a morte é funda. Não, não se confunda. Vivemos. E não oramos. O medíocre tenta saciar o insaciável. Eu fico triste. Tanta miséria opulenta e tanto coitadismo rico. Querem toda glória do universo, os desgraçados. Quero alguma paz pra mim, eu mesmo. Toda beleza que existe na justiça e sabedoria, se perdendo. Toda alienação desinteressante, se encontrando. Já não se fazem mais esquinas como antigamente. O semáforo quebrou e eu topei na mesma calçada de ontem. Todo mundo parece odiar todo mundo. E eu estou ficando cada vez mais lerdo.




Ígor Andrade


__________________________________________________________________________________

domingo, 10 de junho de 2012

Paternal no domingo



Ela foi embora.
Eu fiquei.


Eu fui embora.
Ela ficou.


Ela indo
e tudo vindo
na lembrança.


O sorriso é esperança
na alma.


O tempo se confunde
na saudade.


Agora pouco tinha tudo.
Agora mesmo só vontade.


Ela foi embora. 
Eu fiquei
dentro dela.


Nada se perdeu.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Antes que Rafaela chegue



O dia foi cansativo:
O mundo nas costas.


A noite quero descanso:
As costas na cama.


Amanhã é tudo novo:
A costa e o mar.


A praia somos nós:
Ilhas desertas.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

domingo, 3 de junho de 2012

No silêncio da lágrima



Parafraseando o mano amigo Fabio Rocha.


Quantas enfermidades
podem caber
num domingo?





Ígor Andrade


__________________________________________________________________

Sobrenome Couto



Tudo em mim
olha pro céu
e esquece do chão.
Tudo se perde 
na contramão
do nada
no outro.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

O domingo



O domingo cala
o imbecil
que desaprende
antes de tentar.


Antes de qualquer coisa
qualquer coisa fala
e aprende a andar.


O domingo também sabe amar.


Domingo este
domingo hoje
em que sinto falta
de Rafaela.


Fim de tarde: aquarela
nos olhos do poeta.


O domingo é uma linha reta
que alcança a curva
do juízo pleno.
Sentido ameno 
na escrita.


O meu domingo
é como o de Dona Rita
que cuida dos filhos
sem nenhum cansaço.


O domingo é um cangaço
sem crime
e sem creme 
na sobremesa.


O domingo é a certeza
de que tudo passa rápido demais.


Meu irmão anda muito estranho.
Minha mãe geme de dor no quarto.
Meu domingo é um parto.
O dia não olha pra trás.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________

sábado, 2 de junho de 2012

Desapoio 2



Para o mano amigo Fabio Rocha.


Não há para onde ir.
Não há o que fazer.
A poesia é nossa cruz
no meio de um deserto
que de certo não esfria.
Fazia muito tempo
que o tempo não fazia
chover na casa que não é nossa.
A gente mora na roça
das nossas namoradas.




Ígor Andrade


__________________________________________________________________________________

Acho que voltei



Morro para não morrer.
Corro para não correr.
O cachorro de hoje não quer comer.


O que dizer quando o dia não diz nada?


Esperar a madrugada.
Que assim seja.
Depois do silêncio perdido
o berro da cerveja
e a solidão.


Contemplo o que quero
quando quero
mesmo que não veja a gratidão.


Meus amigos sumiram...


O embrião do mundo há muito se acostumou com o abandono.


Já não sei se sou o cão 
ou o dono.
Só sinto sono.
Mais tarde vou cochilar embaixo da cama.




Ígor Andrade

__________________________________________________________________________________