quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os pés nus


Um mendigo na rua me diz para aceitar Jesus. A tarde silencia. Sentir fome é oração. Preciso aprender a calar antes do não. Não sei nada sobre os impérios corrompidos, e muito menos sobre os homens esquecidos pelas mulheres. Meus olhos estão cheios de visões noturnas. E este sujeito cheio desse jejum forçado. Tenho usado pouco do que aprendi quando criança. Esperança sentada na esquina, depois do tropeço de ontem. É, o fígado do povo cansou. E a vida sonolenta se conforma com qualquer forma que nos apresentam. O mendigo ainda me diz para aceitar Jesus. Cada um com sua cruz e neste pobre ser todos os odores do mundo. Um homem tão menos imundo faz poesia. O remorso que me pesa o dorso, num esforço quase dócil. Indômito caminhar em ruas de carros importados, que não se importam com a faixa de pedestres. A etérea altura das baixezas humanas. O herói covarde e a criança corajosa. Olhos familiares tão vastos quanto a tarde. A fluidez daquilo que jamais termina. A recordação mais rica do tempo cru. O mendigo me pediu para aceitar Jesus. Sordidez de espantalho moderno. Eu não entendo o vício das finitudes e todos os horrores da fecundidade.


Ígor Andrade

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3 comentários:

Marcelino disse...

Algumas frases de teu texto são impagáveis. Lá vai:"Sentir fome é oração", "E este sujeito cheio desse jejum forçado", "o fígado do povo cansou","O remorso que me pesa o dorso, num esforço quase dócil". Gostei demais deste teu texto, Igor.

Ígor Andrade disse...

Valeu, mestre!

Ígor Andrade disse...

Valeu, Karine. Estou indo lá no seu.