sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ubermensch


Para o grande amigo, irmão distante e herói próximo, Luiz Guilherme Libório.


Às vezes penso
que o mundo exterior não tem interior.
Às vezes tenso.
Às vezes canso.
E às vezes alcanço
os meus pensamentos
que se afogam num
lago seco.
Cego logo
um olho alheio.

Poucos laços.
Lasso...
Lá sou o cansaço de gerações.

O abismo e o escapismo pelo prisma primitivo do suicida.
Peripatetismo no empirismo sórdido do capeta.

Tudo oco, menos o louco.
Pouco a pouco, o muito.

O Antigo Egito fica logo ali
embaixo da saia de cada mulher.

Eram os deuses, o analfabetismo da raça?

Caça quem tem coração.
Calça curta e um escorregão.
O homo sapiens não sabe de nada.

A vida passa
rápido demais.
Avenida ultrapassa
o cérebro do rapaz.

Não há paz
neste mundo.
Mudo
o canal da tv à cabo.
Vai passar a Paixão de Cristo.
Eu desisto.
Tenho visto
muito Jesus
e pouca cruz.
A luz
do novo tempo
é escurecer as mentes dos corajosos.

Os jocosos verticalizaram os seios.

Os meios justificam
os modos.
Os medos
ridicularizaram Darwin.

Meu poema é um bêbado mudo
que tropeça na própria sombra.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

SketchBook


A obsessão por originalidade e normalidade há muito deixou de ser neurose - virou morte. O povo se mata o tempo todo porque não se encontra. A anta agora bebe água filtrada. Antes de mais nada, julgo uma tarefa impossível ter uma varanda aconchegante. A rouquidão da rua emburrece a casa. Eu me esforço pra morar no passo inicial das coisas, e isso nem é a fórmula certa de nada. As causas da obesidade infantil é culpa da espada da mídia. Média sem medida. Mordida do macaco raivoso. E eu sinto que às vezes ainda me ilumino. Tempos outros. Da Vinci não morreu. Em algum lugar existe um lugar silencioso: dentro de nós. Mas hoje não. Urbano, demasiado urbano. Não me dou importância; vou envelhecer na desinteligência. Só acho que as pessoas precisam fazer o que escrevem. Ou não. Criar é tão comum. Lembro do tempo em que eu pedia de natal folhas em branco, mas ganhei bonecos de guerra. Tudo é especial quando se tem para quem contar. Contei as xícaras de café e os cães de rua nesta tarde. Já esqueci a quantidade. Tenho mania de rascunhos, e nunca entendi a obrigação da redação no vestibular. Não sei muito da vida, mas eu entendo que temos momentos - aqui e ali - raros com pessoas raras. A cara da vida é esperar pelo outro. No fim, somos todos geniais quando falamos sozinhos. O resto é gordura.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Onze meses


Para Rafaela Bezerra.


Meu amor maior.
Maior amor
que o mundo.
Outro mundo
é o nosso amor.

Tudo que for
nosso
viverá para sempre.

Sempre...sempre...

Sem que a gente note
quase um ano já passou
e ainda temos uma vida.

Seja feita nossa vida.
Vida minha tão tua.
Noite nua
na crueza da saudade.

Hoje escrevo a cor dos teus olhos.
Hoje escrevo a eternidade.
E ponto.
E pronto.

Meu porto
seguro.
Minha porta
aberta.
Minha melhor parte
exata e certa.

Nosso ninho.
Nosso vinho.

Quem diria?
Calma e euforia.
Eu faria
mais por você.

Poder te amar
é entender
que independente do caminho
sigo com tuas pernas.

Nossos passos silenciam multidões.


Ígor Andrade

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Um poema antes da manhã


Um poema antes da manhã.
Enquanto o povo ainda dorme.

Antes do dia ainda minha noite.

O ar fresquinho na janela escura.
(Minha vida dura esses poucos minutos.)
Preciso decidir o que sonhar.

Eu ia meditar
mas inventei de ler Dostoiévski.
Eu queria ser um cara inteligente...

Sinto dor na coluna
e saudade da minha mulher.
O porta-retratos da minha mesa conversa comigo.
Não me sinto sozinho.

Um poema antes da manhã
é tudo que eu precisava.
Vivo para lembrar do amanhã.


Ígor Andrade

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

O trevo antes da rua


Esta vida é breve
e não é leve.

Lavei um sonho na calçada.

Inventaram o relógio
e a poesia
e eu me inventei na saudade.

Quanto mais penso
mais denso.
Mais canso.
Mas descanso 
só na morte.

O corte da tarde
é forte.
Tenho um norte para cada sentido.

Hoje sinto fome como quem esquece de viver.


Ígor Andrade

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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Os pés nus


Um mendigo na rua me diz para aceitar Jesus. A tarde silencia. Sentir fome é oração. Preciso aprender a calar antes do não. Não sei nada sobre os impérios corrompidos, e muito menos sobre os homens esquecidos pelas mulheres. Meus olhos estão cheios de visões noturnas. E este sujeito cheio desse jejum forçado. Tenho usado pouco do que aprendi quando criança. Esperança sentada na esquina, depois do tropeço de ontem. É, o fígado do povo cansou. E a vida sonolenta se conforma com qualquer forma que nos apresentam. O mendigo ainda me diz para aceitar Jesus. Cada um com sua cruz e neste pobre ser todos os odores do mundo. Um homem tão menos imundo faz poesia. O remorso que me pesa o dorso, num esforço quase dócil. Indômito caminhar em ruas de carros importados, que não se importam com a faixa de pedestres. A etérea altura das baixezas humanas. O herói covarde e a criança corajosa. Olhos familiares tão vastos quanto a tarde. A fluidez daquilo que jamais termina. A recordação mais rica do tempo cru. O mendigo me pediu para aceitar Jesus. Sordidez de espantalho moderno. Eu não entendo o vício das finitudes e todos os horrores da fecundidade.


Ígor Andrade

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